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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro volta com agenda de costumes para recuperar evangélicos

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP)                              - Marcelo Camargo?Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) Imagem: Marcelo Camargo?Agência Brasil

Colunista do UOL

23/02/2022 13h44

Preocupado com a alta rejeição evidenciada pelas pesquisas de opinião a cada semana, o presidente Jair Bolsonaro (PL), pré-candidato à reeleição, resolveu radicalizar o discurso na tentativa de recuperar o eleitorado evangélico que perdeu — e que foi fundamental no pleito de 2018. Para isso, se mostrou indignado com a aprovação da descriminalização do aborto na Colômbia e se posicionou contra o aborto de maneira geral.

"Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães até o 6° mês de gestação, sem a menor chance de defesa. No que depender de mim, lutarei até o fim para proteger a vida de nossas crianças!", escreveu em sua conta no Twitter.

Não é por acaso que Bolsonaro assume essa narrativa neste momento. "O que mobiliza muito o sentimento conservador é a questão do aborto. Toda vez que essa pauta tem algum avanço, há um aumento da guerra cultural, do discurso unificador de proteção à família, de tudo o que se relaciona com os valores ligados à família", explica Maurício Moura, fundador do instituto de pesquisa Ideia e pesquisador sobre políticas públicas e análise eleitoral na George Washington University.

O posicionamento antiaborto de Bolsonaro tem tração e mira nos cerca de 10 pontos percentuais que flutuam entre o voto espontâneo (em que ele tem 20% das intenções) e no voto estimulado (em que tem cerca de 30%) na média das pesquisas públicas.

"Em 2018, houve mobilizações religiosas neoconservadoras em torno de temas como "mamadeira piroca" e "kit gay". Ali, em um contexto específico, as estratégias discursivas eram acionadas no sentido de "livrar a família tradicional" das "ideologias de gênero"", explica João Luiz Moura, mestre em Ciências da Religião (UMESP) e pesquisador visitante no Instituto de Estudos da Religião (ISER). 

"Em 2022 a "defesa da família" toma outros contornos. Nesse contexto específico, sobretudo a partir das discussões travadas na Colômbia, o aborto toma a centralidade das discussões da direita religiosa."

O discurso antiaborto gera ressonância e pode influenciar nesse eleitorado que não está convicto em votar em nenhum dos candidatos. A estratégia pode ser crucial em uma disputa de segundo turno. Portanto, quanto mais se apelar para esse tema, mais Bolsonaro pode ter ressonância entre religiosos e conservadores. Mas há um limite: esse eleitorado também perdeu a confiança no atual presidente, não apenas por sua incompetência diante da economia mas também por sua postura negligente acerca da pandemia.

Lei do aborto na Colômbia e o que isso tem a ver com o Brasil

A nova lei aprovada terça (22), na Colômbia, contempla situações de vulnerabilidade extrema e descriminaliza o aborto até a 24ª semana de gestação. Beneficia principalmente meninas grávidas— que também são crianças colombianas — vitimas de violência sexual. O que ocorre é que os adultos só percebem a gestação da criança quando já está avançada, por isso a descriminalização até 24 semanas. A interrupção da gravidez nesse estágio se dá também para preservar a vida da menina violentada, cujo útero não suporta a gravidez à termo. Mas nada disso é desprovido de profundo trauma e sobreposição de violências. É papel do Estado defender essas vidas também. Bolsonaro e bolsonaristas ignoram esses direitos.

O destempero de Bolsonaro e de seus seguidores mais fanáticos como a deputada Carla Zambelli (PSL)-SP) ao longo de todo a terça-feira (22) remete ao caso da menina de 10 anos que foi xingada de "assassina" por parlamentares bolsonaristas quando se submeteu à interrupção de uma gravidez fruto de violência sexual sistemática, em junho de 2020. O que a colocou nessa situação foi a vulnerabilidade que vivia, o abandono e a ausência do Estado. Mas pessoas usaram a Bíblia e a religião para tentar invadir o hospital em Pernambuco e atrapalhar o procedimento. Não consideraram que ela própria é também uma criança. A menina teve que trocar de nome e entrar para um programa de proteção pelas ameaças que sofreu.

Na ocasião, quem divulgou o endereço do hospital foi Sara Giromini "Winter", a ex-funcionária do ministério de Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), presa por liderar atos antidemocráticos. Depois, se descobriu que a própria ministra agiu para tentar impedir o direito que a criança tinha de interromper a gravidez e preservar a própria vida.

Mulheres adultas que se submetem a um aborto não o fazem sem tristeza, sem medo, sem culpa, sem trauma. Ninguém vai optar pelo aborto como meio contraceptivo, muito menos esperar a gravidez evoluir para interrompê-la. É importante respeitar a religião e a crença das pessoas. Mas é perigoso que essa pretensa proteção da família seja usada para incitar perda de direitos, medidas antidemocráticas e para fomentar o ódio.