Sob Lula, nova versão de orçamento secreto banca obras e omite 'padrinho'
O governo Lula liberou, em 2023, R$ 7,9 bilhões em verbas públicas para atender indicações políticas de deputados e senadores, sem que os nomes deles estejam disponíveis para órgãos de controles e para pedidos de Lei de Acesso à Informação. Os recursos têm origem nas extintas emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto na gestão Jair Bolsonaro.
Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o uso das emendas de relator, foram remanejados R$ 9,6 bilhões que estavam previstos nessa rubrica para o controle dos ministérios. Desse montante, R$ 7,9 bilhões foram empenhados — reservados para pagamento — até o final do ano passado.
Formalmente, quem controla o dinheiro são os ministros de Lula. Na prática, porém, o Congresso seguiu influenciando na distribuição do dinheiro, mas sem transparência sobre quem foram os deputados e senadores beneficiados. O destino desses recursos é mapeado, em detalhes, por assessores dos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional, através de planilhas.
Estas foram as verbas da União distribuídas por indicação política em 2023:
- R$ 34,68 bilhões para pagamento de emendas parlamentares
- R$ 5,4 bilhões em restos a pagar relativos ao orçamento secreto ainda do governo Bolsonaro (que deveriam ter sido executados em 2020, 2021 e 2022 e não foram)
- R$ 7,9 bilhões que foram remanejados do que era orçamento secreto por ordem do STF para os ministérios. Na prática, o dinheiro continuou abastecendo bases de congressistas, sem transparência.
Já no final de 2022, o governo firmou um compromisso de que usaria a verba para atender parlamentares. O ministro da Agricultura, Carlos Favaro (PSD), foi alvo de críticas do Congresso quando usou parte desses recursos para estradas em seu estado, o Mato Grosso, e precisou remanejar dinheiro de outra área para acalmar o Centrão.
O ministério da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política, nega que as indicações sejam políticas e diz não ter um controle sobre quem são os deputados e senadores beneficiados. Segundo a pasta, as liberações seguem critérios técnicos estipulados pelos ministérios responsáveis.
As extintas emendas de relator foram usadas principalmente nos ministérios da Saúde (R$ 2,6 bilhões), Cidades (R$ 1,6 bilhão), Desenvolvimento e Assistência Social (R$ 1,5 bilhão) e Integração e Desenvolvimento Regional (R$ 1,5 bilhão).
O mês com maior volume de liberações foi dezembro, quando o governo empenhou R$ 2,1 bilhões. O governo aproveitou para atender os pedidos do Congresso no final do ano, quando precisava de votos para aprovar o orçamento de 2024 e outras pautas.
Embora o governo não divulgue a lista de beneficiados, os próprios parlamentares e as prefeituras costumam dar publicidade aos padrinhos das indicações.
O município de Lagoa Santa (MG) recebeu, em 1º de novembro de 2023, um empenho (reserva para pagamento) de R$ 9,5 milhões para uma obra de recapeamento de dez bairros da cidade através do Ministério das Cidades, por exemplo.
Procurado pelo UOL, o secretário de Desenvolvimento Urbano do município, Breno Salomão, disse que quem ajudou na liberação da verba foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco foi procurado, mas não quis comentar.
Parlamentares do MDB, partido do ministro Jader Filho, estão entre os maiores agraciados com indicações em seu ministério. Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) ajudou a liberar R$ 76 milhões para Contagem, Eduardo Braga (MDB-AM) enviou R$ 24 milhões para Manaus e Carlos Chiodini (MDB-SC), R$ 7,6 milhões para Balneário Piçarra.
Partidos se fortalecem
No início do ano, ministérios publicaram portarias, algumas mais restritivas do que outras, com critérios técnicos para atender os pedidos das prefeituras no uso da verba do extinto orçamento secreto. Mesmo com essas amarras, que tornam as indicações mais trabalhosas, o "apadrinhamento" das liberações continua existindo.
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Quero receberPara José Nelto (PP-GO), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, o modelo atual de indicações é pior do que eram as emendas de relator em relação à transparência, e acaba privilegiando quem é do mesmo partido dos ministros titulares.
"A situação ficou pior. Os ministérios hoje não atendem o Congresso Nacional, atendem os partidos políticos. O Congresso hoje fatiou o orçamento com os partidos políticos. Eu não consigo nada no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (do União Brasil), no Ministério da Agricultura (do PSD), nas Cidades (MDB)."
"Essa decisão política que foi tomada fortaleceu os ministros e os partidos. E quem não pertence ao partido dos ministros não tem nem audiência dos ministérios."
Apesar disso, parlamentares relatam que o caminho das indicações ainda passa pela cúpula da Câmara dos Deputados e do Senado, que enviam os pedidos à Secretaria de Relações Institucionais (SRI), trâmite semelhante às emendas de relator.
Sem transparência
A diferença das verbas "A400" em relação às emendas de relator é que agora cabe ao ministro decidir se irá atender aos pedidos. No orçamento secreto, o parlamentar definia o destino da verba e o ministério ficava amarrado, sem ter como remanejar o dinheiro para uma cidade em que julgasse que os recursos eram mais necessários.
Para o professor de direito administrativo da Universidade de São Paulo (USP) Vitor Schirato, houve uma mudança de RP9 (emendas de relator) para RP2 (verbas dos ministérios) que, na prática, manteve o sistema sem transparência.
"Nesse tipo de 'emenda', você descobre quem indicou no dia da inauguração da obra. Antes do governo Bolsonaro, o valor (desses atendimentos) era muito menor. Hoje, quase toda a verba discricionária do orçamento está indo para atender o Congresso."
"No fim do dia, o ministério empenha, libera, e não fica claro quem ordenou. Em relação ao orçamento secreto, está igualzinho."
Ele aponta que o volume de recursos usado hoje para atender a essas indicações políticas compromete a impessoalidade do orçamento — principal crítica feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) às emendas de relator, enquanto elas existiram.
"O Orçamento passa a ser totalmente paroquial. O que serviria para uma política pública pensada nacionalmente vira uma paróquia. Então esse é o grande problema, porque quando você tem a verba discricionária pensada pelo ministério, em tese isso teria que ir para uma política pública nacional, um programa."
O que dizem os ministérios
Via Lei de Acesso à Informação (LAI), os ministérios da Saúde, Cidades, Desenvolvimento e Assistência Social e Integração e Desenvolvimento Regional negam que tenham sob seu controle uma lista que mostraria os donos dessas indicações.
A Secretaria de Relações Institucionais também nega ter esse controle. Via LAI, o ministério alega que a informação sobre os parlamentares beneficiados é inexistente. A pasta foi procurada pelo UOL, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Hildo Rocha, ex-deputado do MDB do Maranhão e secretário-executivo do Ministério das Cidades, nega que as verbas sejam de atendimento político e disse que, ao contrário do que ocorria com as emendas de relator, o ministério atende a critérios técnicos.
"É discricionário (de livre escolha) do ministério. Nós abrimos um processo de seleção e priorizamos os estados e municípios com maior déficit de água, esgoto, com IDH menor. Estabelecemos uma seleção desde o início do ano, não é atendimento político."
Um documento entregue pelo ministério da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) a parlamentares em agosto incluiu as extintas emendas de relator, identificado como "RP2 A400", em uma prestação de contas das liberações por indicações políticas.
Procurada, a SRI disse que as verbas não são emendas e que, por isso, cabe aos ministérios seguir "os normativos, procedimentos e critérios específicos das políticas setoriais estabelecidos pelos órgãos" na execução dos gastos.
"As despesas discricionárias classificadas com RP-2 são aquelas de livre execução dos órgãos, em consonância com as políticas e diretrizes setoriais, e que não decorrem de programações incluídas ou acrescidas por emendas parlamentares."
"Tais dotações não são entendidas como emendas", pontua a SRI. "Desta forma, a execução de recursos discricionários das pastas ministeriais segue os normativos, procedimentos e critérios específicos das políticas setoriais estabelecidos pelos órgãos."
"Nesse contexto, os potenciais beneficiários cadastram propostas para posterior análise e seleção, em conformidade com a legislação vigente."
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