Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Bolsonaro usa general, major e sargento para criar o "seu" Exército
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Numa tentativa cínica de apropriação do feito dos outros - as vacinas aplicadas - o capitão segue na sua determinada marcha de desmoralização das instituições e criação de uma narrativa que ponha em dúvida a lisura da sua derrota eleitoral em 2022.
A busca de uma nova "Bolsa Família", alimentada com os recursos de privatizações e com o consentimento de vassalos sabujos no Congresso Nacional, igualmente solidários na luta pela manutenção do poder, é um esforço que tem neste momento três focos. O primeiro deles é o sequestro do Exército como instituição, ou seja, a demonstração pública de que as fardas de homens e mulheres servem a uma vontade e não a um Estado.
Na marcha determinada a sequestrar instituições, o Exército agora é emparedado por um general da ativa, que desafiou o Regulamento Disciplinar desta Força, junto com um sargento Juan Pereira de Freitas Rocha, que usa "live" de líder do governo, o major da reserva Vitor Hugo, para criticar comandantes. É necessário e importante lembrar que foi o mesmo major Vitor Hugo que tentou, à sorrelfa, em requerimento protocolado para votação urgente, em 29 de março, alterar a lei 11.631, que autoriza a Mobilização Nacional. Tentativa abortada. Mas, não desistiram. Não foi por acaso a "live". O capitão quer emparedar o Exército, e torná-lo seu.
Na busca do descrito enfraquecimento institucional, o capitão também tem como alvo o STF (Supremo Tribunal Federal), contando com a ajuda da PGR (Procuradoria Geral da República).
O segundo foco de atuação do capitão é descredibilizar o voto eletrônico. A sua luta tenaz em criar como verdadeiro apenas o resultado eleitoral que o favoreça. Isso foi tentado pelo Donald Trump, em quem se inspira o capitão reformado, expulso por indisciplina do Exército.
O terceiro foco é o enfraquecimento da ciência, com o debate sobre eficácia, eficiência e comprovação de uso de drogas para tratamento de Covid-19, a fim de provar que existem dúvidas - e se há dúvidas, não há certezas. Um exercício digno do lendário Barão de Itararé, cuja blague e ironia antecipou personagens da Escolinha do professor Raimundo.
Querem fazer crer o capitão e seus acólitos que há alguma dúvida sobre hidroxicloroquina, ivermectina e outros tais. E nisso insistem diante de uma doutora Luana Araújo, jovem séria e reconhecidamente corajosa, embora ingênua, na crença de que haveria espaço para atuar em nome da ciência num governo que transita pelas bordas de uma Terra plana.
Nesse terceiro pilar de atuação - pelo qual pretende sair ileso das responsabilizações pela morte de agora quase meio milhão de pessoas no Brasil, e por outros tantos milhares de sequelados, nos quais a doença ainda mantém os seus efeitos nefastos - o capitão conta com a adesão de representantes de instituição que não tem pudor em falar em nome de médicos, na defesa intransigente de um governo pelo qual a História e, principalmente, o voto irão demonstrar a sua repulsa.
O presidente do Conselho Federal de Medicina, um doutor Mauro Luiz de Brito Ribeiro, foi célere em divulgar nota de repúdio à CPI pela maneira como a Dra. Nise Yamaguchi foi tratada por senadores, em especial o senador Otto Alencar - sem citar nomes - conclamando que o CFM seja convidado para falar em nome dos médicos.
Quer os holofotes para fazer a defesa de numa tal "autonomia médica", de um uso de cloroquina e para reforçar que nada se sabe ainda sobre a doença. O que o doutor não conta é como, alinhado ao capitão, brecou a revalidação de diplomas de médicos que se formaram fora do Brasil, se colocou contra o programa Mais Médicos - num cordão sanitário de defesa corporativa - e que não teve o menor embaraço em assinar um documento em que liberava o uso de cloroquina, no mesmo dia em que foi demitido, por discordar, o então ministro Henrique Mandetta.
E o doutor não teve a transparência de informar que a sua posição, no poderoso CFM, não representa a visão das entidades especializadas, como as associações brasileiras de cardiologia, de imunologia e de infectologia. Fala como um porta-voz classista quando, aqui, o que se trata não é o jogo de limites de exercício profissional. A batalha do doutor é a reserva de mercado, não a discussão sobre saúde pública.
O tal presidente do CFM quer falar em dignidade no trato de médicos na CPI, enquanto deixa ao largo a dignidade e o respeito às recomendações da ciência. É o tal corporativismo.
Ora, a indignação com a vergonha pública, e ouso dizer, com a humilhação a que foi submetida a doutora que recomenda o uso de cloroquina para tratar Covid-19, sem que tenha a formação, as evidências e a própria anuência do fabricante do medicamento, pode ter sido, sim, um momento de constrangimento, de resto, talvez, desnecessário. Porém, numa relação comparativa, mas necessária, mais vergonhoso e humilhante é ver um representante corporativo arvorar a si a fala em nome dos mais de 500 mil médicos brasileiros e não incorporar ao seu discurso posições de médicas como a da Dra. Luana, para quem não existem opiniões na ciência, mas sim "boa ciência ou má ciência".
O desmonte da democracia não se faz apenas pela vontade de poucos. Se faz por mãos dadas de muitos que não se furtam à vassalagem, em nome sabe lá de que, a não ser as moedas de ouro e os salões do poder.
O general vassalo, ainda na ativa, acobertado pelo capitão, ganha uma nova missão. Agora, ironia das ironias, é assessor de Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, e tem uma paga a mais, agregada ao seu soldo, no teto salarial duplex, de R$ 16.900. Tem missão estratégica - resta saber essencialmente com que objetivo ele se move, já que, como "especialista em logística", falhou rotundamente na estratégia de compra e distribuição de vacinas, mas distribuía kit de "tratamento precoce", estimulando um tratamento ineficaz e perigoso, incluindo o desenvolvimento de um aplicativo que prescrevia cloroquina para ser administrada em crianças.
Enquanto isso, a população que não sai às ruas bate panelas em todo o Brasil, para que o seu protesto seja ouvido, o seu luto seja respeitado. Que se abram corações e mentes de lideranças responsáveis e comprometidas com o bem-estar do povo, com a saúde, com o presente e com o futuro. Que se fechem as portinholas antidemocráticas que querem arrombar o país.
Mas o que se abre, agora, são os estádios de futebol, para assegurar que, sim, o Brasil é o país do futebol.
E o Exército, de quem é?
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