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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro conclui o desgoverno: tortura, corrupção, confusão, Centrão

Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro durante evento no Palácio do Planalto em 4 de fevereiro - Getty Images
Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro durante evento no Palácio do Planalto em 4 de fevereiro Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

05/04/2022 13h39

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O ex-capitão inaugura um tempo em que governo é desgoverno; não tem marca, tem nódoa.

O desgoverno atual é superlativo. Cheio de "ãos", e de culto à dor. E de desrespeito à nossa própria humanidade.

A apologia indecente à tortura, num rito que repete com desfaçatez, com troça, a dor de uma pessoa, fazendo blague pública, é a confirmação de uma sociopatologia que não tem desculpas a serem dadas; tem apenas o caminho da punição educativa. Para que outros não se inspirem nos gestos inconfundíveis de torturadores que não se expressaram no corpo de alguém apenas pela falta de oportunidade. Que desejam criar. E se esforçam em construir, na medida em que destroem, comem por dentro as instituições.

É dessa natureza o desgoverno que vai com a fúria dos esfomeados, gananciosos de poder e de ouro, até há pouco privados deles por sua própria desimportância e por freios democráticos. Segue o desgoverno usurpando, com a complacência, subserviência e ignorância delinquente, alimentada pela luxúria de cargos, salários, benesses de cartões corporativos não auditáveis, e beneplácito de pseudo-autoridades que apenas se curvam ao desgoverno.

A jornalista Miriam Leitão foi agredida. Novamente submetida à tortura, anos depois de ter visitado à força os porões da ditadura. Com o novo crime do filho zero à esquerda do ex-capitão, repete-se a cena trágica, e, infelizmente, não tão conhecida de uma geração que não experimentou a tirania da ditadura, mas que vive a redemocratização. Graças à luta daqueles que não rastejaram diante do torturador.

Não foi apenas a jornalista atingida pelo gesto infame. Fomos todos nós atingidos, a sociedade brasileira, brasileiros e brasileiras que viveram o infortúnio de ter os direitos civis tolhidos, a voz calada, a brutalidade como ameaça constante no direito de ir e vir, de impedimento à cidadania.

Não foi apenas a Miriam a vítima do abuso. Fomos todas nós mulheres, que foram caladas à força e que pariram filhos e filhas durante a luta contra a violência daqueles que submeteram o país ao vexame da tortura, e que continuam atentas, para lembrar esses mesmos filhos e filhas que a democracia exige vigilância.

O desgoverno do ex-capitão é superlativo. Em números de mortos abandonados pela incúria de seu desgoverno, na maior crise sanitária já vivida no Brasil. Enterraram-se quase 700 mil brasileiros e brasileiras, enquanto, no desgoverno superlativo, a corrupção caminhava de maneira dissimulada e penetrante nos corredores da burocracia federal.

O superlativo do desgoverno, a sua nódoa, é também a corrupção, além da apologia à tortura.

As barras de ouro de pastores íntimos do Palácio da Alvorada, juntando a sua fortuna para que recursos não chegassem às escolas, mas que erigissem templos em homenagem à fé de uma ideologia descasada da dor das gentes.

As vacinas que não chegaram para impedir milhares de mortos. Não se pode normalizar e jogar num canto da memória as covas abertas em fileiras, os caminhões frigoríficos tornados câmaras mortuárias, os enterros sem velório. As sequelas renitentes, os espaços vazios nas famílias.

Não se pode tentar esconder no medo, na luta pela sobrevivência, o vazio das perdas.

O desgoverno tem as suas nódoas superlativas na confusão também. Quando transforma a Petrobras num lugar para que lobistas de plantão capitalizem as suas ideias, a soldo da maior empresa do país.

O desgoverno do ex-capitão é confuso, na falta de maturidade pelo desconhecimento do que é governar.

O incentivo ao descaso com regramentos, com governança, tem, porém, fonte de inspiração. Quando o procurador-geral da República nada encontra de errado com a conduta do ex-capitão e que, ciente da possibilidade corrupção que lhe é denunciada, na tentativa de compra milionária de vacina, explica que ele, o ex-capitão, não era obrigado a agir.

O desgoverno é superlativo. Tem o Centrão - o grande centro que agora oferece potenciais bancadas de seus iguais para que o desgoverno continue depois do troca-troca de partidos, apenas orientado para tentar iludir o eleitor.

Mas o Centrão não tem o desgoverno. Embarcado, desembarcará. Não são palanques regionais que lideram a campanha eleitoral para presidente da República. O tsunami é a cabeça do processo eleitoral: o candidato à Presidência. Afinal, o rabo não abana o cachorro.