No Chile inflamável, a Constituição virou best-seller
SANTIAGO - O livro mais vendido nas livrarias do Chile é a Constituição do país. Com a proposta de plebiscito para abril de 2020 para decidir pela elaboração ou não de uma nova Carta Magna, os chilenos resolveram ler a Constituição como romance.
A Carta de 1980, elaborada sob a ditadura de Augusto Pinochet, representa a última fortaleza ideológica da Guerra Fria: pouco Estado, muito mercado e uma defesa integral da propriedade privada sem fim social. Reescrevê-la, argumentam os políticos dos mais variados partidos que acordaram reformá-la, implica aceitar o fim de um ciclo histórico.
Há dúvidas se _ à medida que as bandeiras sociais levadas às ruas se diluem _ reescrever a Constituição conseguirá sintetizar todas as causas dispersas no protesto. Os políticos acham que sim; as lideranças dos movimentos sociais dizem que não.
O Chile reduziu a pobreza _ de cerca de 40% da população em 1990, quando a democracia começou, para menos de 7% da população atualmente. Os indicadores de desigualdade, no entanto, variaram muito pouco: o um por cento da população mais rica acumula mais de 25 por cento da riqueza.
Os especialistas chilenos estão a repetir que a geração que saiu da pobreza graças ao modelo econômico liberal atinge a velhice com uma pensão ridícula, pagando as dívidas do estudo universitário dos filhos, comprando os remédios mais caros da América Latina e tendo custo de vida mais elevado do que o de muitos países europeus, continente em que há maior proteção social.
O problema da tentativa de pacificação por meio da Constituinte é a total desconfiança da população em relação às instituições. Executivo, Legislativo e Judiciário estão sob crítica severa, mas o mesmo também ocorre com a Igreja, o Exército e a mídia.
Encerrando a série de três artigos sobre a convulsão no Chile, reproduzo as palavras de ordens das manifestações e as pichações nas ruas que dizem tudo sobre o estado das coisas:
A TV mente;
A mídia nos faz invisíveis;
As paredes falam o que a imprensa cala;
Falam da violência das ruas aqueles que perpetuam a violência diária da usura;
A luta com o fígado conquista até o inútil;
A violência é eloquente;
O problema é o sistema;
Rebeldia é alegria;
O Chile será a tumba dos livres;
Santiago é uma cidade inflamável;
Quando se perdeu a razão?
Tempos melhores virão.
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