Raquel Landim

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Lessa só delatou quem mandou matar Marielle porque estava preso

Ronnie Lessa decidiu matar Marielle Franco por ganância e só se tornou delator porque estava preso.

Nos vídeos que vieram a público depois que o sigilo da delação foi quebrado, ele conta com extrema frieza o quanto acha que vale a vida humana.

"Ninguém recebe uma proposta de US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. Uma coisa realmente impactante mesmo", diz Lessa.

Mas quem prometeu a ele tanto dinheiro para "simplesmente" matar alguém? O Brasil só teve certeza da resposta - os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão - por causa de uma delação premiada.

A coluna conversou com os investigadores da Polícia Federal que se envolveram no caso para entender o que levou o miliciano e matador experiente a entregar os mandantes.

Os policiais começaram o relato pela dificuldade de assumir a tarefa depois de cinco anos de obstruções da Polícia Civil do Rio de Janeiro. As evidências contra os matadores eram frágeis e contra os mandantes não havia nada concreto.

O ponto de partida da PF foi Élcio Queiroz, o ex-policial militar que dirigiu o carro. Élcio e Lessa estavam confiantes de que escapariam e não queriam falar com a polícia. Mas não tinham um álibi de seu paradeiro na hora do crime.

Na papelada da investigação, haviam declarado que estavam bebendo na casa de Lessa com a esposa dele. Por incrível que pareça, ninguém havia "se lembrado" de confirmar com a própria. E a esposa de Lessa disse para a PF que não eles não estavam lá.

Élcio se tornou então o primeiro delator. Foi ele quem contou o que realmente aconteceu e permitiu à polícia achar as provas técnicas: onde tinha sido deixado o carro utilizado no crime, o trajeto dos executores depois do ataque, o comprovante do táxi que pegaram.

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Lessa, no entanto, continuava arredio e, sem a colaboração dele, era impossível encontrar os mandantes. A PF então deixou claro nas conversas com o miliciano que seu comparsa, Élcio, já havia delatado e contado praticamente tudo.

Segundo um investigador, foi ali que ele perdeu as esperanças, afinal já levava quatro anos e meio preso. E preso num presídio federal, sem comunicação praticamente nenhuma com a família.

Nas palavras de um delegado, foi bastante tempo para pensar na vida e no que seria dela a partir daquele ponto. Lessa concordou em contar tudo que sabia em troca de uma transferência para um presídio um pouco menos rígido e da redução da pena em regime fechado para 18 anos.

Um dos investigadores diz que o assassinato de Marielle Franco não teria sido desvendado sem a delação premiada, dado o lapso de tempo entre o crime e a investigação. Tampouco sem que Lessa estivesse preso.

Delegados ouvidos pela coluna não concordam com eventuais abusos no instituto da delação premiada praticados na Lava Jato, mas dizem, em conversas reservadas que, no mundo real, poucas pessoas confessam crimes de um apartamento confortável na Barra da Tijuca.

Se estivesse em vigor a lei que vai ser apreciada no Congresso, que impede a delação de réu preso, a percepção deles é que, provavelmente, Lessa não teria falado e o Brasil não saberia quem mandou matar Marielle Franco.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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