Raquel Landim

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Opinião

Com inflação alta, 'efeito Trump' se aproxima do coração da União Europeia

O custo de vida alto e o crônico problema da imigração levaram o "efeito Trump" ao coração da aliança que mantém a União Europeia: França e Alemanha. O avanço da extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu terá impacto nas políticas europeias, na resistência da integração do bloco e, a depender do que acontecer nos Estados Unidos, até mesmo nas guerras em Gaza e na Ucrânia.

A revolta do chamado "homem branco de classe média trabalhadora" chegou na França, berço do iluminismo, por conta da inflação. A ressaca da pandemia da covid-19, que desorganizou as cadeias produtivas, deixou uma herança persistente de preços altos, que ganhou ainda mais fôlego com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Os dois países são importantes produtores de alimentos e combustíveis.

Com o custo de vida mais alto, a xenofobia contra os imigrantes do Norte da África e do Oriente Médio também aumentou. Os especialistas acreditam que as mega manifestações das populações árabes e muçulmanas em diversas capitais europeias contra a ação de Israel em Gaza acabaram tendo um efeito rebote, já que só os imigrantes naturalizados votam.

Além disso, existe uma percepção difusa entre essa maioria europeia branca de que a Comissão Europeia se tornou algo distante e que age à revelia dos entes nacionais. Até mesmo a "agenda verde" da Europa, que tantos elogios atrai da esquerda ao redor do mundo, cria problemas e divisões internas. Não dá para descartar ainda alguma influência das "fake news" e até mesmo dos russos para desestabilizar as democracias europeias.

Essa é a segunda onda da extrema-direita na Europa. A primeira ocorreu no Reino Unido, com o Brexit e com a vitória do Boris Johnson. Depois o fenômeno chegou às Américas com Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil e, mais recentemente, Javier Milei, na Argentina. A esquerda também se aproveitou desse populismo com López Obrador no México.

Agora o fenômeno vem renovado. Na Alemanha, a direita ganha força, mas com o apoio da extrema-direita, apesar do trauma do nazismo que freia esse tipo de avanço. Polônia, Espanha e Áustria vão pelo mesmo caminho. Mas o que mais preocupa, sem dúvida, é a França por todo o simbolismo que carrega.

Com medo de deixar seu governo sangrar, Emmanuel Macron se antecipou e convocou novas eleições legislativas. Ainda não é certeza que o bloco de Marine Le Pen vai conseguir vencer, mas eles tem chances concretas - e isso por si só é chocante. Se a França migrar para a extrema-direita, quais serão os impactos para a Europa e para o mundo?

Especialistas ouvidos pela coluna acreditam que é pouco provável que a União Europeia se dissolva dada à extrema dependência que os países desenvolveram entre si, mas haverá um enfraquecimento de suas instituições e de suas políticas. Certamente as políticas ambientais e migratórias ficarão mais conservadoras. Os órgãos supranacionais, sobretudo a Comissão Europeia, serão minados por dentro, o que traz um custo político menor, mas um efeito igualmente perverso para a integração.

Se Trump também vencer nos Estados Unidos, os impactos globais serão maiores. É perceptível que Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu estão prolongando ao máximo possível os conflitos na Ucrânia e em Gaza no aguardo dos processos eleitorais na Europa e nos Estados Unidos. A UE dificilmente vai retirar de uma vez seu apoio aos ucranianos, mas a situação por lá vai ficar bem mais delicada. As peças do tabuleiro global estão se mexendo e esses movimentos não devem ser minimizados pelos democratas ao redor do mundo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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