Raquel Landim

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Opinião

Delfim Netto nos deixou a Embrapa, mas nunca se arrependeu do AI-5

Brilhante, estudioso e controverso.

Delfim Netto, que morreu nesta segunda-feira (12), foi um dos economistas e homens públicos mais importantes do Brasil.

Com uma habilidade emocional gigante, era envolvente, agradável e tinha uma teia de influências que começou nos governos militares e foi até Luiz Inácio Lula da Silva.

Delfim é fruto de uma geração de economistas da Universidade de São Paulo (USP) que nos idos de 1950 acompanhava a vanguarda da pesquisa global mesmo sem sair do Brasil.

Ele lia todas as revistas acadêmicas que caíam em suas mãos e abusava da matemática. Sua tese de doutorado sobre a dependência das contas externas do Brasil das exportações de café é um diagnóstico certeiro do drama de uma época.

E ele transformou isso em prática. Já no Ministério da Fazenda, junto com um grupo de outros notáveis, percebeu que era preciso não só diversificar a pauta de exportação agrícola, mas preparar o solo, adaptar as plantas para o clima tropical, formar gente.

Assim, nasceu a Embrapa. E, com ela, a potência agrícola brasileira, a balança comercial forte, a independência nas contas externas.

Delfim era um keynesiano, e aí o homem que se tornou poderoso na ditadura, aproxima-se da esquerda. Ele sempre defendeu o Estado intervencionista na economia. A receita foi bem sucedida na agricultura, mas falhou em outros momentos da nossa história.

O governo Figueiredo, do qual Delfim era o ministro do Planejamento, flertou com o desastre e escapou por pouco.

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Delfim nunca mudou de ideia sobre o papel do Estado como indutor do crescimento e, por isso, teve a admiração de economistas ligados aos governos Lula e Dilma. Nada mais parecido com o governo Geisel do que o governo Dilma, é a máxima repetida entre os economistas liberais hoje.

Mas é na política que Delfim perdeu a oportunidade de fazer seu mea culpa histórico. Ele estava na reunião que aprovou o AI-5, que levou a um dos períodos mais duros e sangrentos da ditadura militar. É um dos seus signatários.

Questionado sobre o assunto diversas vezes durante a vida, ele não se arrependia.

"Eu voltaria a assinar o AI-5. Eu tenho dito isso sempre. Aquilo era um processo revolucionário, vocês têm que ler jornais daquele momento. As pessoas não conhecem história, ficam julgando o passado, como se fosse o presente. Naquele instante foi o correto, só que você não conhece o futuro", afirmou ao UOL Entrevista em setembro de 2021.

É bem verdade que Delfim foi eleito e reeleito deputado - cinco vezes consecutivas, a primeira como constituinte. Submeteu-se, portanto, ao escrutínio do povo. O que ajuda a aliviar seu posicionamento sobre o AI-5 até o fim da vida. Aliás, um posicionamento que não fazia jus a sua inteligência.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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