Por seu sonho presidencial, Tarcísio vai ser babá de Ricardo Nunes
Será que Tarcísio de Freitas fará o papel de babá, fiador ou salva-vidas na próxima gestão de Ricardo Nunes? O prefeito nem citou Bolsonaro em seu discurso de vitória, e o governador ignorou o canto da sereia de Pablo Marçal entre os bolsonaristas.
Mesmo com a vitória folgada sobre Boulos, o governador deveria se preocupar: apenas 25% dos paulistanos aprovam a gestão Nunes; 45% a consideram regular, pelo Datafolha.
Se o discurso econômico da esquerda paulistana já tivesse chegado ao século 21, a oposição venceria fácil. Mas segundos mandatos costumam ser decepcionantes. Se Tarcísio espera dar saltos maiores, vai precisar fazer uma intervenção pouco sutil na gestão do novo afilhado.
Uma cidade com população de rua em crescimento descontrolado e com cenas de assaltos de celular por bicicleta diariamente não será uma boa vitrine presidencial para Tarcísio. Ou com obras entregues de qualquer jeito, de calçadões a asfalto. Mesmo que a mídia paulistana já tenha se esquecido da prefeitura e não haja a menor cobertura sobre uma possível mudança-geral no secretariado (lembre-se: as cidades brasileiras não existem, só 2026 importa. Não moramos em favelões desorganizados por acaso).
O governador também deve se lembrar que tanto ele quanto Bolsonaro perderam na capital em 2022. Ou seja, a Pauliceia vai merecer uma atenção maior do que o interior —aliado de primeira hora e bem menos exigente.
Há várias áreas onde uma supervisão adulta será bem-vinda, já que o azeitamento entre estado e município é fundamental, e o governo federal não contribui com São Paulo nem quando a prefeitura é do mesmo partido (basta ler o longo desabafo de Fernando Haddad reclamando de Dilma na revista Piauí, em 2017).
Operação Campos Elíseos
Se Tarcisio vai mesmo tirar o governo do Morumbi e levá-lo para os Campos Elíseos (tomara que para valer, e não pela metade), ele não pode subestimar a lentidão da gestão Nunes e o jogo-contra de vários técnicos da prefeitura que são viúvas Porcina do PSOL (que nunca foi governo na cidade).
A mudança do governo do estado para os Campos Elíseos só fará sentido se, em vez de um campus isolado como Aécio fez em Belo Horizonte, virar um bairro misto. É preciso ter moradia próxima para os funcionários estaduais, e as secretarias de Habitação têm patinado demais nessa área.
A do Estado sempre valorizou mais o interior que a capital; e a da prefeitura entrega vexame após vexame. João Doria colocou um presidente do Secovi especializado em loteamentos e condomínios fechados no interior para cuidar da pasta da Habitação; Bruno Covas indicou quem jamais conseguiu dar algum uso para o terreno no Paissandu, onde o famoso prédio de vidro desabou; e Ricardo Nunes, sob indicação de Gilberto Kassab, colocou um pastor da Igreja Universal que mora em São José dos Campos.
É uma secretaria que precisa de alguma expertise.
Concessionárias ao Deus-dará
Ainda não se sabe se Tarcísio fiscalizará com mais empenho os serviços das concessionárias de serviços públicos. Mas ele já deveria se preocupar com o modo como seu pupilo não fiscaliza as empresas que controlam cemitérios, o Vale do Anhangabaú, o Parque do Ibirapuera e o Mercado Municipal.
A chance de dar algo muito errado é enorme. Sabe-se que os políticos petistas só descobriram os cemitérios quando estes foram privatizados (vandalismo, furtos e máfia dos jazigos eram comuns quando da administração estatal, mas nossos progressistas têm indignação seletiva).
Mas isso não isenta as omissões da prefeitura, que permite que o concessionário do Anhangabaú não ocupe os quiosques vazios, não dê uso à Galeria Prestes Maia ou não termine as melhorias prometidas. Que o Ibirapuera esteja virando uma quermesse nas mãos de quem não tem o menor critério estético —é uma antivitrine para qualquer concessão.
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Quero receberTarcísio coloca muita esperança do sucesso de seu governo na inauguração de diversas estações de metrô pela cidade até 2026. Mesmo sabendo que nem a falecida Mãe Dinah conseguia prever qualquer conclusão de obra do metrô de São Paulo, uma lição de casa jamais foi feita: os arredores das futuras estações. Nem prefeitura, nem governo do Estado, nem o próprio Metrô dão atenção a trajetos que normalmente nascem já escuros, sujos e pouco caminháveis, especialmente para milhões de mulheres que precisam fazer viagens à noite do trabalho para casa.
Na maior parte da gestão Nunes, o secretário de Urbanismo foi o arquiteto Marcos Gadelho, indicado por Kassab. Nunca ouviu falar de Gadelho? Acredite: a culpa não é sua. Antes dele, Bruno Covas colocou um advogado amigo dele no cargo, sem experiência em urbanismo ou cidades. Será que os prefeitos de São Paulo não conhecem urbanistas bons?
Para compensar, Nunes não tem os cacoetes de nepobaby que Bruno Covas tinha. Trabalha aos finais de semana, feriados e nem faz questão de se cercar apenas com sua turminha. Não faz viagens longas por qualquer desculpa. Escuta opiniões divergentes bastante mais que seus antecessores tucanos e petistas. E tem consciência que ser prefeito de São Paulo é o ápice de sua carreira (se eleitos, Boulos, Marçal e até Tábata já estariam pensando exclusivamente no pleito de 2026, como boa parte da elite paulistana, até a engajada, que não consegue devotar mais de cinco minutos a pensar a cidade).
Nunes conseguiu mostrar pouco, muito pouco, apesar do caixa cheio. Com um secretariado medíocre (cinco de seus secretários concorreram a vereador e nenhum se elegeu) e poucas ideias e projetos, o prefeito não tem uma única grande marca. E nem sonha ter o poder de comunicação e convencimento de Topazio, em Floripa, Paes, no Rio, ou João Campos, em Recife.
Dos 9,3 milhões de eleitores paulistanos, apenas 3 milhões e 400 mil votaram em Nunes. O campeão de votos foi o "eleitor insatisfeito": os 3 milhões e 500 mil que não votaram, anularam ou votaram em branco.
Tarcísio fala muito de desenvolvimento, mas não se sabe sua visão de crescimento além de concreto e asfalto. São Paulo até enriqueceu nos últimos vinte anos, mas nenhum governista diria que a qualidade de vida melhorou. Ou que o número de paulistanos que sonham em escapar para qualquer outra cidade tenha encolhido.
O mal-estar paulistano pode ser um muro contra Tarcísio em breve.
Há razões para ficar otimista: só o futuro de um presidenciável pode atrair alguma atenção para a gestão da cidade. Tanto ele quanto os eleitores deveriam ficar de olho.
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