TV Cultura vive ilha de Caras, mas oposição está sem moral pra criticar
João Doria entregou a TV Cultura para a ilha de Caras. Mesmo fora da política, e levando ministros do Supremo e CEOs deslumbrados a bocas-livres em Lisboa ou Miami, Doria deixou legado na mais antiga tevê educativa do país.
José Roberto Maluf, presidente da TV Cultura nomeado por Doria há 5 anos, criou uma editora em 2004, adquirindo parte do espólio da finada Editora Abril. Primeiro, ficou com a MTV, depois com revistas customizadas e, por último, a revista Caras, no Brasil, dirigida por seu filho, Luiz Maluf.
Estranhamente, nenhuma reportagem sobre sua nomeação por Doria mencionou isso à época. Há muitos anos, Maluf foi executivo do SBT. Deduz-se que há umas 100 pessoas com mais expertise em conteúdo cultural ou educativo do que alguém que circule entre Caras e SBT. Mas Doria, por anos, publicou uma revista chamada Caviar LifeStyle [sic], parte do mesmo nicho.
Maluf transformou o canal que já fez o Rá Tim Bum. O veteraníssimo colunista social Amaury Jr. ganhou programa na TV Cultura para promover Orlando e Dubai, e Otavio Mesquita e ex-estrelas globais ocupam o centro do Roda Viva. A programação infantil e educativa, porém, vive de reprises. A cadeirada no debate foi um raro momento que acordou o espectador da TV pública, pois a vulgaridade já foi normalizada na programação.
O governador Tarcísio de Freitas até reclama nos bastidores do estado da TV Doria, mas não sabe como colocar ordem na Fundação Padre Anchieta, mantenedora do canal, que está sem rumo já há algumas décadas. E ninguém da oposição tem lá muita moral para moralizar a antiga TV tucana, que custa R$ 104 milhões ao contribuinte paulista, apesar de viver de reprises.
R$ 1 bilhão para a TV Brasil
A TV Brasil, criada por Lula em 2007, tem um orçamento de R$ 930 milhões (ou nove vezes o da TV Cultura). Fora alguns programas de entrevistas e filmes nacionais, ninguém consegue lembrar de um único programa cultural ou educativo que custe tanto dinheiro para ser produzido na sua programação.
Jair Bolsonaro prometeu acabar com a tevê estatal em campanha. Mas, uma vez na presidência, adotou a mesma prática lulista e empregou dezenas de jornalistas amigos, para ficar bajulando seu governo. Quase um bilhão de merchan partidário.
A diretora de programação e conteúdo, Antonia Pellegrino, é mulher de Marcelo Freixo, presidente da Embratur e militante partidária de carteirinha. Para cada promessa de se fazer uma BBC nacional, na prática, surgem mais versões milionárias da Voz do Brasil.
Na semana passada, a TV Cultura acabou com diversos programas —"Entrelinhas", sobre literatura, "Negros em Foco", "No Mundo do Samba", entre outros. Mais de cem pessoas foram demitidas. Ainda sobram mais de 800 funcionários CLT e algumas centenas como PJ.
A emissora tem dificuldades de atrair anunciantes, já que a maior parte da programação não atinge sequer um ponto de audiência. Em vez de ser celeiro de novos talentos e de ousadia alternativa, a TV Cultura é, há anos, lugar para a aposentadoria de nomões que já se aposentaram de emissoras mais comerciais e lucrativas.
Fiz um programa no meu canal no YouTube sobre a mais recente crise da TV Cultura.
Nos últimos anos, ela cedeu parte de sua sede na Água Branca para um novo museu, o MIS Experience, que cobra R$ 60 de ingresso para de exposições do Chaves (o do SBT) a projeções de Monalisa, que você poderia ver no shopping Morumbi, sem dinheiro público. E despejou do casarão da Faria Lima o Museu da Casa Brasileira, atualmente sem teto, para fazer uns trocados alugando o espaço para festas. Até exposição sobre os 50 anos do Fantástico, o programa da Globo, rolou por lá.
Cadê o conselho?
O Conselho Curador da TV Cultura tem um mix de direita, esquerda, tucanos, petistas e bolsonaristas, e até um ou outro intelectual (artistas e educadores são raridade, e nenhum arquiteto ou urbanista, claro). É bastante mais plural que uma típica tevê petista ou bolsonarista.
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Quero receberO que será que Luiza Helena Trajano, Djamila Ribeiro, Maria Hermínia, Lilia Schwarcz, Renato Janine Ribeiro, Eugênio Bucci, Maria Alice Setúbal, Tomé Abduch e Beatriz Bracher, todos conselheiros da Cultura, têm a dizer sobre esse descarrilamento da mais antiga emissora educativa do país?
Ser conselheiro também implica fazer cobranças desagradáveis. Se indispor. Ou então, são cúmplices. O presidente do Conselho, Fabio Magalhães, está há mais de 25 anos na Cultura e já é até conselheiro vitalício. Dirigiu do Memorial da América Latina ao Museu da Casa Brasileira, e até a Embrafilme. Não tem nada a dizer?
Pena que o desmanche da TV Cultura seja testemunhado com apatia pelos pretensos defensores da educação e da cultura.
Nossas elites acadêmicas só se mobilizariam se mexessem na Netflix, na HBO ou em alguma novela. Fazem abaixo-assinados para pedir tombamento de bares e restaurantes que funcionam em imóveis alugados. Mal sabem eles que milhões de crianças e adolescentes brasileiros não possuem streaming ou tevê paga em casa.
Para eles, uma programação educativa de qualidade seria tão rica quanto programas encerrados há mais de 30 anos, como Rá Tim Bum e Bambalalão.
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