As viúvas de Bruno Covas continuam em campanha, usando bens públicos
Bruno Covas não tem sossego. Até o complexo do Anhembi foi batizado com seu nome. Morto em 2021, já deu nome ao Parque Augusta - "Parque Bruno Covas"; ao parque-ciclovia da Marginal Pinheiros; a um coworking municipal que vive vazio, ao lado da agônica praça Victor Civita, em Pinheiros, o "Centro de Inovação Verde Bruno Covas"; e a um centro oncológico em um hospital municipal na Vila Santa Catarina, zona sul de São Paulo. Tem até uma estação de trem da linha 9-Esmeralda chamada Bruno Covas.
Bruno foi um prefeito mediano. Ele trabalhou sob o câncer quase até o fim, o que despertou muita compaixão, e se reelegeu. Mas, ainda assim, seu legado no cargo foi modesto. Como foram apagadas suas passagens pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional. Concorreu (mas não se elegeu) a vice-prefeito de Santos em 2004. Tinha apenas 24 anos e o único feito de sua biografia era seu sobrenome. Foi vice-prefeito de São Paulo, quando andava às turras com o chefe, João Doria. A imprensa noticiava suas viagens longas e sem agenda.
O antigo Anhembi, concedido à iniciativa privada durante a gestão Bruno Covas, poderia ser chamado de Rita Lee ou Gal Costa (ambas cantaram muitas vezes no espaço), ou até homenagear nosso maior sambista, Adoniran Barbosa, pelo sambódromo ali. A lista de grandes nomes da cultura paulistana que nunca receberam uma homenagem é maior que a Marginal Tietê. Ou até continuar como Anhembi, a palavra do tupi antigo que denominava o rio Tietê. Mas o novo nome, adivinha, é Centro de Eventos Internacional Prefeito Bruno Covas. Nem a conjugação orna. A empresa francesa que ganhou a concessão deve ter sentido a necessidade de agradar os atuais mandachuvas da prefeitura.
Um mês antes desse batismo do Anhembi, o prefeito Ricardo Nunes levou o filho de Bruno, Tomás, para um encontro com o Papa no Vaticano. Com 18 anos e sem a menor experiência em gestão pública ou ativismo social, ele foi nomeado Coordenador de Políticas para a Juventude da prefeitura. Coisa de ditadura comunista norte-coreana. Em democracia, a promoção do nepobaby também é caricata.
O legado de Bruno fora das plaquinhas não tem mais dono. Vários de seus ex-secretários estão hoje nas campanhas de Guilherme Boulos, Tabata Amaral e até de Pablo Marçal. Ricardo Nunes, seu vice, está com Jair Bolsonaro, a quem Bruno dizia desprezar. Mas Tomás Covas continua com Nunes e até discursou na convenção da campanha de reeleição do prefeito.
Mulheres esquecidas
Na outra ponta da Dutra, o Rio de Janeiro já nomeou uma marina com o nome de Paulo Mendes da Rocha e inaugurou o Parque Rita Lee, na Barra da Tijuca. Mas Eduardo Paes é muito rápido. Ainda não houve tempo para a Pauliceia homenagear o premiado arquiteto, morto em 2021. Já Rita Lee quase foi homenageada, de improviso, pelos vereadores Milton Leite (União) e Luna Zarattini (PT). Queriam mudar o nome do parque do Ibirapuera, como se essas homenagens colassem. Não colam: ninguém chama o Parque Augusta de Bruno Covas, por mais que as viúvas insistam. Depois de meses de vaivém, se contentaram com "Praça da Paz - Rita Lee". O nome da cantora-mais-perfeita-tradução da cidade virou apêndice de uma praça. Em vez de dar nome a um equipamento novo, requenta-se um antigo.
Nesta semana, postei um vídeo em meu canal no YouTube sobre a trajetória de duas imigrantes orientais que marcaram São Paulo para sempre.
A arquiteta e designer Chu Ming Silveira criou o Orelhão, a cabine telefônica com mais personalidade do mundo depois das vermelhas de Londres. Pensando em acústica, proteção, durabilidade, simplicidade, orçamento. Morreu em 1997, aos 56 anos, mas ainda não houve tempo, 27 anos depois de sua morte, de se nomear nada em sua homenagem. Imagina uma escola pública de design industrial chamada Chu Ming? Já nasceria abençoada.
A outra imigrante, Tomie Ohtake, bem mais conhecida, tem suas obras públicas no Ibirapuera, na avenida Paulista, na Vergueiro. Morreu em 2015, aos 101 anos, já consagrada. Mas só ganhou duas homenagens públicas, e fora de São Paulo: uma escola estadual em Guarulhos e um largo em Curitiba, ambos em 2018. Aqui, nada.
É surpreendente que, com tanto dinheiro em caixa, a prefeitura só saiba ser rápida ao asfaltar ruas. Não existe dinheiro para uma praça nova, uma biblioteca nova ou uma escola de programação para homenagear pessoas fora do mundo partidário.
Por muitos anos, os paulistanos riam com superioridade do afã do governo baiano em batizar absolutamente tudo com o nome do falecido Luiz Eduardo Magalhães para agradar o painho ACM. A gestão Ricardo Nunes, algumas viúvas de Bruno e a ausente Câmara Municipal parecem ter o firme propósito de deixar São Paulo com cara de capitania de coronel. Antigamente, reclamava-se que a Câmara Municipal só servia para criar datas comemorativas e dar nome a praças. Ultimamente, nem isso.
Mas esse é um constrangimento promovido por governos de todas as bandeiras ideológicas. Inesquecível o dia em que o então presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli batizou o nome de um campo petrolífero de "Lula". Declarava, às gargalhadas, que se tratava apenas do molusco. Só ele riu. Já um parque em Recife, criado em terreno da Aeronáutica, que Lula pediu que fosse doado a uma gestão municipal amiga, ganhou o nome de Parque Dona Lindu. Sim, a mãe do presidente.
Dona Lindu também virou nome de conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida na Paraíba, em Goiás e na Bahia. O então prefeito Fernando Haddad também prometeu um conjunto habitacional "Dona Lindu" no final de 2013. Mas, como diversos outros projetos habitacionais do Haddad prefeito, não saiu do papel. Ainda assim, um repeteco dos malufistas que colocavam Maria Maluf em complexos viários. A mãe do governador André Franco Montoro também é nome de uma escola pública.
Não basta coibir bajuladores e partidos políticos. As famílias dos falecidos deveriam ser as primeiras a se pronunciar: "Olha, pega mal. Não exagera. Uma homenagem só é suficiente. Tem muito morto ilustre que também merece a sua plaquinha."
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Quero receberEnquanto isso não acontece, resta o constrangimento público. Como este aqui. De avisar que ruas, avenidas, escolas e hospitais são da sociedade, não de um partido, muito menos de uma dinastia. Até mudarem de ideia. Até não dar mais voto.
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