A São Paulo de amanhã está em construção agora, mas ninguém presta atenção
Um condomínio de 65 prédios com 11 mil apartamentos, de 34 a 45 m², está em construção na zona norte de São Paulo. A estação mais próxima da CPTM fica a 2,5 km de distância. O futuro metrô Pirituba da linha 6 fica a mais de 3 km dali (mas sabe-se lá quando ficará pronto; tampouco permitirá que muita gente deixe o carro na garagem para ir a estação a pé, a quase uma hora de caminhada).
O nome do condomínio desenvolvido pela mineira MRV é "Sete Sóis", em homenagem aos "sete objetivos de desenvolvimento sustentável". Nem marketing de casas de apostas digitais é tão sem-vergonha.
Quase vizinho, há um condomínio novo, entregue em 2022 pela mesma MRV, com 51 prédios de 18 andares e quase 7.300 apartamentos. Compartilha as mesmas dificuldades de acesso. Ambos estão a 15 km de distância dos maiores pólos de empregos da cidade (Faria Lima, Paulista, Centro). São patrocinados pelo Minha Casa, MInha Vida, o programa federal que usa o dinheiro do FGTS para repetir os mesmos conjuntos habitacionais longe de tudo que o BNH da ditadura produziu nos anos 1960 e 1970. A cidade do futuro está sendo construída agora, bombas-relógio sendo erguidas, mas ninguém está prestando atenção.
A MRV não está sozinha nessa. Há construtoras bilionárias, graças ao programa federal, fazendo empreendimentos gigantes assim no Jardim Marajoara, em Itaquera, no Cambuci (e no país inteiro). Todos despejarão milhares de carros a mais nas ruas porque estão sendo projetados para ser antipedestre e longe de tudo. Não vão virar assunto para associações de bairro e urbanistas "engajados" que só se mobilizam para defender as dores de Pinheiros, Vila Madalena, Santa Cecília ou Jardins. Imagino que na ditadura nossos antepassados também olharam para o lado enquanto Itaquera e Cidade Tiradentes eram "planejados". Na eleição municipal, nossos candidatos a vereador que supostamente se interessam por urbanismo ignoram esses colossos.
Fiz um vídeo com várias sequências de cenas fortes, mostrando alguns desses projetos.
Muitos não entenderam nenhuma crítica aos monstrões —"melhor isso que nada", "antes deveriam morar em favelas", "vai construir onde?", "melhor não criticar para não ofender quem mora lá". Até os bem-intencionados acabam favorecendo uma paralisia intelectual, de aceitar o pior que governos e incorporadoras podem entregar, gastando bilhões, pelo mínimo esforço.
Quando se fala de urbanismo, até o brasileiro educado parece o pobre investidor que acredita que a poupança é o melhor investimento. Falta repertório.
Para responder à ideia de que é impossível construir em localização mais acessível, postei outro vídeo, falando dos vazios urbanos em São Paulo, bem na nossa cara, do Brás e da Mooca à Água Branca, que são muito mais próximos das áreas mais conectadas da cidade.
Prédios são vilões
E aí ouvi outra queixa comum: mas São Paulo precisa de mais prédios? Será que ainda existe demanda? Bem, não se vê nenhuma desses torres em Pirituba vazia... Mas prédios viraram os vilões da cidade onde urbanismo é tão popular quanto derivativos financeiros. Prédios são amaldiçoados em áreas nobres, claro, pois os conjuntos habitacionais de Pirituba não comovem os jornalistas da tevê que choram até por tombamento de bar.
Um singelo exemplo de bom urbanismo: o gigante Copan no centro de São Paulo tem cerca de 2.500 moradores e apenas 221 vagas na garagem. Seus moradores têm, em um raio de 300 metros, mercados, cafés, farmácias, salões de beleza, academias, livrarias e muitos empregos. Metrô e ônibus na porta. A grande maioria pode fazer quase todas as viagens diárias a pé ou usando transporte público.
Um único quarteirão do Morumbi com 30 casas grandes, onde moram menos de cem pessoas, pode abrigar até 90 carros nas garagens. Que serão usados várias vezes por dia, em longas distâncias, para fazer toda e qualquer atividade necessária. Quem congestiona e polui mais a cidade? Os 33 andares do Copan ou as "casinhas" com uma árvore no quintal, e nenhum comércio por perto?
Para quem vive na bolha de todas as necessidades atendidas, mesada garantida até os 30 e poucos anos, e não sai do perímetro delimitado entre Vila Madalena-Moema-Santa Cecília, São Paulo inteira poderia ser tombada amanhã. Não se mexe em mais nada. Tem até "intelectual" que sugeriu isso por escrito. Às vezes, até recorrem a estatísticas de orelhada, dizendo que se existem 500 mil imóveis vagos na cidade, seria fácil atender as 400 mil famílias sem moradia estável.
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Quero receberNo mundo real, nada é simples. Milhares de imóveis ficam anos e anos travados por disputas familiares, heranças e espólios. Tente você fazer a Justiça andar mais rápido. Outros milhares estão em mau estado há anos, e com o mesmo dinheiro e o tempo da reforma pode-se produzir o dobro de imóveis do zero, na metade do tempo. Há 5.000 imóveis tombados na cidade, dois terços deles em mau estado, e haja fé para achar que o Conpresp votaria a permissão para reformas necessárias em menos de 20 reuniões do conselho (só acontece uma por mês, em que menos de 30 projetos são votados).
Demanda ainda é alta
E a demanda não para de crescer. Quanto menores as famílias, mais imóveis são necessários para a mesma quantidade de pessoas. Em 1950, uma casa abrigava pai, mãe, sete filhos, agregados, e até empregados. Tudo em um único imóvel. Hoje as mesmas 15 pessoas podem demandar sete imóveis diferentes. Todo ano tem gente que casa e quer casa, ou que se separa e precisa de outra casa. E os que chegam de fora.
O MInha Casa, Minha Vida nasceu no governo Lula, em 2008, repetindo todos os erros do BNH da ditadura militar, diante do silêncio adesista da maioria dos urbanistas petistas (a notável exceção foi o arquiteto Lelé Filgueiras Lima, que teve a coragem de desafiar a patrulha). Bolsonaro apenas mudou o nome do programa que patrocina conjuntos habitacionais no meio do nada, mantendo todas as perversões. Como em várias outras áreas, Bolsonaro e sua direita pouco estudada não conseguiram melhorar nada do que herdaram da esquerda.
Como o mercado imobiliário paulistano não colabora, há um temor real de que esses grandes vazios urbanos sejam substituídos por paredões isolados, obrigando milhares a depender de carro para tudo. Da classe média do Jardim das Perdizes às classes trabalhadoras que lotam os empreendimentos da MRV, o comprador acha que está investindo em grande urbanismo (por não fazer ideia do que signifique isso). A cidade vai se desfigurando, junto com o asfalto, o ar e nossos pulmões. Por isso, é imperativo discutir a qualidade dos projetos, da arquitetura ao urbanismo, em vez de ficar em um ingënuo "proibir mais prédios", quando serão construídos de qualquer jeito, com incentivos federais. Talvez não nas áreas bem mais servidas, onde a oposição é ouvida, mas onde não há nada. E continuarão assim por muitos e muitos anos.
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