Rodrigo Ratier

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Opinião

Não há debate possível na rede social (e as pessoas estão percebendo isso)

Esta é uma coluna pequena, mas, de vez em quando, a audiência até que surpreende. Meu termômetro indireto é meu perfil no Instagram - igualmente pequeno, usado quase exclusivamente para divulgar minha produção jornalística. Quando algum texto "engaja", como dizem os content producers, começo a receber comentários e directs de desconhecidos.

Há um ou outro elogio, mas, para o escândalo de ninguém, a maioria das manifestações não me congratula por meus olhos verdes. Vejamos o copo meio cheio: considerado o contexto atual, as ofensas apresentam até uma certa polidez. "Chora mais", "você é lamentável", "recalcado", "vergonha", "jornalismo lixo". Não é agradável, mas nada que eu vá levar ao divã, se meu terapeuta tivesse um.

Passei por várias fases em relação a esse tipo de apupo. Num primeiro momento, buscava defender o texto. Depois passei a um tom meio "serviço de atendimento ao consumidor": "Bem-vindo ao meu espaço pessoal, onde a gente se trata com educação. Há alguma incorreção que você queira apontar?". Sempre com duas cláusulas pétreas: não excluir nenhuma mensagem e manter o decoro nas respostas, por mais que certas mensagens despertassem meus instintos mais primitivos, como diria o ex-deputado cassado que tentou explodir a polícia na base da granada.

Depois simplesmente desisti, e foi a melhor coisa que fiz. Conto nos dedos, bastando talvez o indicador e o polegar opositor, a quantidade de vezes que deram certo as tentativas de estabelecer um diálogo em chave de não violência. Pura energia vital desperdiçada.

Foi uma decisão acertada, que cada vez mais gente vem tomando. Em sua edição mais recente, o Digital News Report, prestigiosa sondagem conduzida anualmente pelo Instituto Reuters, na Universidade de Oxford, perguntou a 93 mil pessoas em 47 países um montão de coisas sobre o ambiente online. Entre elas: "Como você costuma participar da cobertura de notícias?"

A pesquisa classificou os internautas em três categorias: participantes ativos (os que postam e comentam), participantes reativos (os que leem, curtem e compartilham) e os consumidores passivos (que no máximo leem, mas não participam).

Resultados: participantes ativos são 22%, reativos 31% e consumidores passivos, 47%. O Brasil segue mais ou menos a mesma tendência: 24% de participantes ativos, 34% de reativos e 42% de consumidores passivos.

O primeiro achado - o de que nem todo mundo participa, bem pelo contrário - é complementado por outro: entre 2018 e 2023, a tendência da participação foi de queda. O compartilhamento de notícias via redes sociais caiu 7 pontos percentuais (de 26% para 19%); comentários caíram 2 pontos (de 20% para 18%), enquanto o compartilhamento via serviço de mensageria instantânea (como o WhatsApp) subiu 5 pontos, de 17% a 22%.

A descida é sutil e pode estar associada também a uma eventual menor exposição a notícias. Mas pode-se ao menos falar em estagnação na participação, levando à conclusão do relatório: "A era digital e, particularmente, a ascensão das redes sociais, foi inicialmente associada a uma utopia de acesso e participação na mídia global. Embora os usuários da Internet tenham mais meios de acesso digital do que nunca, tem sido pouco claro se as pessoas na prática o usam para ativamente participar em seus ambientes de notícias."

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Nos primórdios da digitalização, quando predominava o otimismo quanto à democratização no acesso à comunicação que a internet propiciava, havia a perspectiva de que o ciberespaço seria uma espécie de esfera pública digital. A antiga ágora grega, em que os cidadãos discutiam suas opiniões e crenças, onde a argumentação mais próxima da verdade prevalecia, seria então transferida para o ambiente virtual.

Não foi. A desinformação e a incivilidade são moeda corrente nas redes sociais - talvez melhor chamar apenas de redes, pois o caráter social dos primeiros tempos, em que o foco era a comunicação, ficou para trás. Em espaços guiados pela performance, em que a polêmica e a estridência são premiadas com mais visualizações, a discussão é impossível.

E também porque há muito menos riscos de ofender alguém sem a presença de outras camadas, como carne, osso, lágrimas e, eventualmente, músculos. A menos que a gente imagine que no espaço mítico da praça pública grega as pessoas se xingavam, se juntavam em gangues e saíam na mão. Pelo que me consta, registros dessa natureza não estão nos clássicos.

Quanto ao futuro, há algumas conjecturas. É possível que nem todas as redes tenham o mesmo destino e se inviabilizem para o debate. Em palestra no último dia 22 de abril na Universidade de São Paulo (USP), Carme Colomina, pesquisadora sênior do Barcelona Centre for International Affairs (CIDOB), na área de desinformação, ofereceu uma hipótese plausível: as plataformas podem estar próximas de uma bifurcação. De um lado, as mais civilizadas; de outro, as mais tóxicas. As recentes mudanças no X, por exemplo, estariam levando o ex-Twitter para esse lado em que nada de bom pode brotar.

Alguma forma de regulação também parece benéfica para, ao menos, evitar crimes no ambiente virtual. Nesse sentido, os sinais mais recentes no Brasil são negativos. Com a retirada de pauta do PL 2630 pelo presidente da Câmara Arthur Lira, a discussão, que aos trancos e barrancos já havia avançado várias casas, retornou ao zero absoluto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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