Rodrigo Ratier

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Opinião

O novo patrono da escola pública vai ser perseguido como Paulo Freire?

Ficou fora do radar uma decisão simbólica transformada em lei na última terça-feira (15), Dia do Professor. Na ocasião, o presidente Lula sancionou um projeto de lei sucinto, cuja síntese está no artigo 2º: "Fica declarado Patrono da Escola Pública Brasileira o educador Anísio Teixeira".

Em tempos normais, seria uma decisão simbólica sem maiores consequências. Vive-se, porém, em circunstâncias que são tudo, menos normais. Que o diga Paulo Freire (1921-1997). Declarado patrono da educação brasileira em 2012, o educador pernambucano virou um dos alvos preferenciais da extrema direita brasileira. Vomitando uma distorção caricatural das ideias, enxergam em seu legado a origem da "balbúrdia" na educação do país.

Uma injustiça com suas ideias e um disparate com a realidade objetiva. Apesar de a obra-prima de Freire, "Pedagogia do Oprimido", ser a terceira mais citada em trabalhos na área de humanas no mundo, a educação brasileira nunca foi "freireana". Longe disso: na história das políticas públicas brasileiras, sua influência acadêmica apenas pontualmente se traduziu em ações concretas.

Mas, para o propósito de eleger vilões, a imagem de um "educador comunista", que "traveste" "professores em militantes" e "doutrina" nossas crianças —como se alguém tivesse esse condão—, veio a calhar. É um uso típico da falácia do espantalho, substituindo a complexidade do pensamento de um adversário por uma versão deturpada —e negativa.

Um liberal tido como comunista

Pela via do patronato da escola pública, Anísio Teixeira (1900-1971) vem socorrê-lo. Não se vislumbra, a princípio, uma disputa de protagonismo entre os dois. Se Paulo Freire fundou uma filosofia da educação brasileira, um modo autêntico de compreender o ensino e a aprendizagem, Teixeira foi o pioneiro e, possivelmente, o maior organizador do sistema educacional brasileiro. Numa comparação simples, se o país fosse uma escola, Freire seria o professor, e Teixeira, uma mescla de diretor e coordenador pedagógico. Ambos papéis necessários, e complementares.

Como Freire, Anísio Teixeira nunca foi "comunista". "De Paulo Freire, pode-se até dizer que tinha discurso embalado em cristianismo e marxismo. Teixeira, não. Era um liberal", afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP (Feusp). "Mas havia nele uma radicalidade em uma tese central: ele defendia que a escola tinha de ser para todo mundo."

Era uma defesa intransigente —e concreta. Ao longo dos cargos que ocupou, Teixeira buscou estruturar escolas, órgãos públicos e redes de educação de modo a ampliar o acesso à escola tanto quanto possível. Estamos falando de um período, entre as décadas de 1930 e 1960, em que as taxas de atendimento escolar giravam em torno de 50% da população no que hoje é o ensino fundamental.

Nascido em 1900 em Caetité, no sertão da Bahia, Teixeira se inicia na vida pública em 1924, ocupando o cargo de inspetor geral de ensino, hoje equivalente ao de secretário da Educação, na Bahia. Influenciado pelas ideias do filósofo americano John Dewey (1859-1952), leciona filosofia e história e publica diversos ensaios sobre educação. Em 1932, torna-se signatário do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que defendia uma reforma completa na educação brasileira e um ensino laico, gratuito, sem distinção de gênero —e obrigatório.

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Obrigatório porque Teixeira entende a escola como motor da transformação social, refutando a ideia, então predominante no debate público, de que o fracasso escolar se devia a características específicas da população pobre. Ao atribuir as causas do mau desempenho à omissão do Poder Público, desfralda sua bandeira de vida, a educação como um direito de todos.

Escola de qualidade para todos, um legado inconcluso

É possível, assim, situá-lo no panteão de intelectuais que, na primeira metade do século 20, se dedicaram a interpretar o Brasil e a conceber um projeto de nação. Dessa estirpe hoje em falta ponteiam nomes como o já citado Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Celso Furtado.

Pelas duas décadas seguintes, Teixeira ocupa cargos na secretaria de Educação do Rio de Janeiro (então Distrito Federal) e novamente na Bahia. Em 1950, inaugura em Salvador a Escola Parque, uma espécie de precursor do que seriam os CIEPs no Rio nos anos 1980 e os CEUs em São Paulo a partir dos anos 2000.

"Veja a ousadia de defender uma escola de tempo integral, hoje figurinha fácil nos programas dos candidatos ao Executivo. Essa era a proposta da Escola Parque mais de 70 anos atrás. E com qualidade, professores bem formados e um currículo que fizesse sentido para os estudantes", afirma Ocimar.

Além da escola em tempo integral, são também herança de Teixeira a defesa da municipalização do ensino, como forma de estar mais próximo das comunidades, e da autonomia escolar.

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"Na sua concepção, o espírito local seria a força enraizadora que garantiria à escola firmeza diante de intempéries, sobretudo daquelas provocadas pelas inconstâncias dos governantes de plantão", diz Iracema Santos do Nascimento, também professora da Feusp.

Há mais: Teixeira foi também um pioneiro na avaliação institucional e na produção de indicadores sobre a educação. Integrando o Ministério da Educação, transforma a então Campanha (atual Coordenação) de Pessoal de Nível Superior, a Capes, em órgão permanente, hoje dedicada à gestão da pós-graduação.

Também esteve à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o Inep, hoje responsável pelo Enem e pela produção de dados sobre a educação brasileira. Permanece no instituto, que hoje leva seu nome, até 1964, acumulando também o cargo de reitor da Universidade de Brasília (UnB), da qual foi um dos principais idealizadores. Morre em 1971 em circunstâncias suspeitas. Seu corpo foi encontrado num fosso de elevador, num suposto acidente, refutado até hoje pela família. Defensor da democracia, Teixeira era adversário da ditadura, que lhe atribuía a fama —adivinhe— de comunista.

Defesa da universalização do acesso, de uma escola de qualidade pautada por indicadores, da formação docente, da integração da educação básica à universidade e da autonomia escolar. Um legado tão amplo quanto inconcluso. "Para ficar na universalização do ensino, ela só se materializou no ensino fundamental. Outras etapas obrigatórias, como a pré-escola e o ensino médio, ainda estão longe de chegar lá", diz Ocimar.

Favoráveis ao título, bolsonaristas honrarão memória?

"O patrono de determinada categoria deve ser aquele cuja excepcional atuação serve de paradigma e inspiração a seus pares", escreveu a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) na justificativa do projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados ainda em 2015. "Anísio Teixeira dedicou sua vida e sua inteligência à luta pela intervenção do Estado na educação, pelo fortalecimento da escola pública, pela educação para todos —educação boa e bastante para todos."

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Antes da sanção presidencial, o projeto de lei que lhe conferiu a honraria passou pela Comissão de Educação. Na sessão de apreciação, os 14 integrantes presentes votaram pela aprovação do projeto, incluindo vários detratores da memória do patrono da educação brasileira, Paulo Freire.

Entre eles, bolsonaristas como Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e o astronauta Marcos Pontes (PL-SP), além do hoje senador Izalci Lucas (PL-DF). Quando foi deputado, em 2015, Lucas ficou conhecido por ser um dos autores do projeto de lei que defendia a proposta do Escola Sem Partido, iniciativa considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O que farão da memória de Teixeira daqui por diante é uma questão em aberto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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