Rodrigo Ratier

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Proibir celular ataca 'caos', mas escola deve se repensar, diz especialista

No best-seller "A geração ansiosa", o psicólogo Jonathan Haidt aponta para a relação entre a popularização dos smartphones entre os jovens, fenômeno iniciado há duas décadas, e o aumento alarmante de transtornos de ansiedade e depressão, especialmente entre meninos.

Essa "infância baseada no celular", na definição do autor, está substituindo aquela baseada na brincadeira sem proteção, com enormes consequências para o convívio, o desenvolvimento da empatia e o amadurecimento saudável de crianças e adolescentes.

Em resposta a esse cenário, diferentes países têm se mexido para aprovar legislações que buscam controlar o uso de smartphones em lugares como a escola. Na última quarta-feira (30), a Comissão de Educação da Câmara, com apoio do governo Lula (PT), aprovou um projeto de lei para proibir celulares em todo o ambiente escolar, incluindo recreios, nas redes pública e privada.

Na opinião da pesquisadora Danila Di Pietro Zambianco, o cenário é de "semi-caos" entre atores escolares, que encontram uma dificuldade crescente de diálogo com alunos e familiares.

Danila, que é integrante do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral), da Unicamp, defende um papel ativo das escolas na discussão de tópicos importantes, como a diferença entre o público e o privado, o desenvolvimento da empatia e os modos de se conviver virtualmente.

Na entrevista, a pedagoga especializada em psicologia moral destaca a importância de metodologias que valorizem o papel ativo do aluno em sala de aula diante das distrações virtuais — uma realidade que nenhuma lei será capaz de alterar.

Quais as evidências da psicologia a respeito do efeito das telas sobre o processo de aprendizagem das crianças?

Danila Di Pietro Zambianco - Para além do jogo, que é próprio das telas, o elemento viciante das redes sociais está ligado à lógica dos likes e das notificações, já que todos querem fazer parte de um grupo e serem vistos. Nesse sentido, uma questão que tem nos preocupado é o modo como o uso das redes tem impactado a própria construção do sujeito.

Crianças e jovens estão no processo de formar a sua personalidade, é um momento em que a troca com o outro e com o meio é fundamental, já que preciso dele para entender quem eu sou. E essa geração, precocemente, está tendo essa experiência de forma híbrida -- basta observarmos a quantidade de crianças com o seu celular ou tablet na mão.

Essa construção psíquica e social remete à própria lógica do algoritmo, quer dizer, ele foi desenvolvido para ser viciante. Então, começamos a ver, por exemplo, perfis de jovens com transtornos alimentares que ensinam como ter uma dieta feroz, um corpo ideal etc.

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Tudo isso nos mostra que precisamos falar mais sobre isso, e o livro do Jonathan Haidt traz avanços importantes, propondo uma relação de causalidade entre uma infância baseada no celular e o aumento de transtornos de saúde mental nas novas gerações.

Há especificidades brasileiras nessa discussão? Somos um dos países com o maior tempo de tela do planeta.

Olhando para o Brasil, nos últimos meses, nos deparamos com alguns casos de suicídio nas escolas, o que trouxe o tema para o debate, porém infelizmente não se trata de um fenômeno isolado. Segundo números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), estamos bem acima da média mundial no que diz respeito aos transtornos de saúde mental em crianças e adolescentes.

É essa pergunta que o Haidt tenta responder em seu livro: o que tem nos levado a adoecer desse modo? É, sim, possível fazer uma correlação com o uso de redes sociais, pois elas têm uma característica particular, que é a grande exposição, ou seja, tudo que é escrito se conserva mais.

Em estudos de convivência social, vemos que, na internet, não há tempo para o aprendizado - se caiu na rede, "já era". Essa falta de tempo para o erro e o aprendizado gera uma enorme ansiedade nos jovens.

Outra característica das redes é que elas potencializam as ações. Nas relações pessoais, se você me insulta num momento em que está com a "cabeça quente", eu consigo perceber, tenho maior empatia para entender por que você agiu assim.

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Já nas redes as relações são assíncronas, ou seja, há uma distância entre a emissão e a recepção da mensagem. Novamente, o efeito disso é uma enorme pressão para ser assertivo e não "errar".

Há um "custo de entrada e saída" que é próprio das relações presenciais, como destaca Haidt. Segundo ele, esse risco contribui para fortalecer laços, algo que não aconteceria nas redes.

As novas gerações não veem muita diferença entre as relações online e presencial, numa espécie de versão adaptada dessa subjetividade digital, em que se tem medo de ser "cancelado". Por isso, muitos evitam contato visual, com respostas evasivas, por exemplo.

O convívio presencial exige uma série de recursos que são estranhos ao ambiente digital: sustentar um silenciamento do grupo, falar de modo mais respeitoso com o outro, pensar o que eu vou falar ou não e qual o momento mais adequado — tudo isso é um desafio para esses jovens.

Para os educadores, essa é uma discussão fundamental: que convivência virtual é essa? Como eu manifesto empatia? Qual a diferença entre o público e o privado? Isso precisa ser assumido pela escola de forma plena, para além de palestras e seminários. O currículo precisa dedicar tempo à discussão dessas questões.

Nações como Reino Unido, Espanha e Bélgica orientam as escolas a proibir o uso de celulares. No Brasil, a Comissão de Educação da Câmara acaba de aprovar um projeto de lei no mesmo sentido. Qual a sua opinião?

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Por aqui, muitas legislações estaduais e municipais têm proibido o celular nas escolas, com exceção do uso pedagógico. Esse uso é importante em vários sentidos, no próprio apoio às famílias, por exemplo, quando as crianças vão sair, se vão usar algum aplicativo de transporte etc.

Não há como negar que o smartphone é uma ferramenta da vida contemporânea, por isso, quando a escola se ausenta dessa discussão, ela está se alienando do seu papel formativo.Seis em cada dez escolas brasileiras possuem regras sobre o uso de celular.

Quanto à legislação, são tentativas de organizar um cenário de "semi-caos", com diretores e professores confusos em relação a quais caminhos tomar: recolher os celulares dos alunos, por exemplo? Vemos um ambiente fragilizado em que, muitas vezes, o diálogo é impossível.

Quais as responsabilidades de escola e família nesse quesito? E é possível uma articulação entre ambas?

Quanto à escola, ela é, por dever, uma instituição que forma o sujeito, então a discussão precisa ir além da norma. Por que precisamos de uma lei para algo que faz parte do nosso cotidiano? Por que os alunos têm essa necessidade de conexão instantânea? É tarefa da escola debater essas questões.

E, quanto à família, ela deve estar a par de todo esse trabalho pedagógico no âmbito de uma parceria, especialmente quando falamos do smartphone, em que os comportamentos adotados pelos estudantes acabam se reproduzindo tanto na escola como em sua casa.

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Se uma família, por exemplo, tem hábitos desregrados quanto ao uso do celular, isso não significa que o aluno irá reproduzir esse hábito na escola — é o reconhecimento da cultura escolar, com boas práticas e acordos coletivos.

A conscientização pode apoiar as próprias relações familiares, que têm sido impactadas pelo tempo de tela.

Haidt também aponta para uma superproteção no mundo real que coincide com uma situação oposta, de subproteção, no mundo digital. O quão importante para a infância é a brincadeira sem supervisão, que está em queda atualmente?

É muito importante que a criança tenha ações de autonomia desde a mais tenra idade - ela não precisa de um adulto para fazer por ela aquilo que ela já é capaz. Essa superproteção tem grandes impactos sobre o sujeito: se tem sempre alguém disponível para cuidar de mim, eu não vou me preparar para lidar com as consequências dos meus erros.

Então, o brincar sem supervisão é a própria possibilidade da convivência entre pares. Segundo a psicologia do desenvolvimento, é esse convívio entre pares sem autoridade que nos leva para a autonomia moral.

Dito isso, me parece que as evidências do livro, nesse sentido, ainda são bem preliminares para apontarmos uma relação de causa e consequência entre o aumento da superproteção e essa imersão no mundo virtual. Precisamos de novos estudos sobre isso.

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Em entrevista ao UOL, o pesquisador Jack Dieckmann frisou a importância do prazer como elemento que conecta o estudante ao seu objeto de estudo. Em outras palavras, um aluno mais concentrado não necessariamente é um aluno que aprende mais.
A concentração é um veículo para o aprendizado, mas, de fato, ela não dá conta de tudo. Há outras questões, como a dimensão afetiva - o interesse, a curiosidade, a mobilização pessoal que está ligada ao prazer.

Vale dizer que essa dimensão afetiva, inclusive, costuma se sobrepor às outras questões - quando eu quero muito, eu vou atrás daquilo. Até porque, atualmente, esse sujeito 100% concentrado não existe mais, vivemos num mundo de enormes distrações.

É papel do professor trabalhar esses dois elementos, o desejo do aluno e a sua concentração, numa proposta didática coerente, que faça sentido para a sala de aula.

Em muitas realidades, o uso do celular resulta do tédio, que é decorrente do método tradicional de ensino, com aulas expositivas, que se baseiam na memória e não no aprendizado. Esse método desconsidera o protagonismo do aluno em seu processo de aprendizagem.

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