Proibir celular na escola ajuda contra desinformação como a de Nikolas

A propósito do vídeo desinformativo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sobre o Pix, produzi um texto para um grupo de WhatsApp de amigos da adolescência. Não, meu masoquismo ainda não chegou a esse nível. Agi provocado por um convite de um dos integrantes: "Tem alguma mentira nesse vídeo?". Como tenho algum conhecimento sobre fake news e dispunha de tempo (raridade) e paciência (idem), me lancei à escrita.
Sim, o texto ficou longo, o que em minha defesa se deve mais à quantidade de lorotas e menos à prolixidade do autor. Foram exatos 2.498 caracteres que não tiveram, digamos, uma recepção calorosa dos membros do grupo: "É mais divertido ouvir o vídeo do que ler esse baita texto"; "Só textão! Que preguiça"; "Melhor nem ler. Já caiu tudo? Acho que tem mais gente olhando vídeo, e não textão".
Estão certos. Pela régua do entretenimento, o vídeo do parlamentar mineiro é um bom produto. Tem ação, protagonista chamando o espectador de você, uma trilha apocalíptica que vai tutorando a interpretação do espectador —e também exageros, exemplos que não têm a ver com o argumento, falsidades, preconceito, confusão intencional. Tudo embalado numa edição frenética para não deixar tempo para pensar.
No fundo, assim são as fakes: sanduíches de alguns fatos fidedignos com meias-verdades, enviesamentos, falácias argumentativas, equívocos propositais, interpretações maliciosas. As enganações do tipo "mentira total" são minoria. No fim, o frenesi parece "fazer sentido". O efeito esperado pelo produtor é a inevitável pergunta digitada pelo amigo: "Tem alguma mentira nesse vídeo?".
Evidenciar a desinformação com clareza exige que se jogue com outra linguagem. O reino dos vídeos curtos tem méritos. Apela à emoção e pode lançar luz a algum aspecto sobre o qual não havíamos pensado. Mas não é a forma mais adequada para provocar reflexão. Aquela atitude do tipo "respira, senta, agora vamos olhar com calma para essa questão" cabe melhor num textão de 2.498 caracteres ou mais.
A linguagem escrita, como se sabe, é a base da escola. Durante muito tempo foi pedido que os professores usassem mais tecnologia para "se modernizarem", "tornarem suas aulas mais atrativas" e "atualizarem suas formas de se comunicar". Vieram daí algumas inovações interessantes, mas o que sobreveio foi a pressão para tornar a escola "divertida". E tome aula-show com musiquinha, atividades gamificadas, conteúdos ensinados inteiramente por meio de "trívias" e quizzes.
Há algum tempo ensaio e desisto de escrever um texto que teria por título algo como "em defesa das aulas chatas". Acho que seria mal compreendido, mas o argumento fundamental é o seguinte: o prazer da atividade intelectual é de outra ordem. Não é o da descarga rápida de dopamina dos vídeos curtos, mas o do esforço de compreender um texto difícil, de testar e encontrar a solução para um problema, de debater em grupo os melhores jeitos de encaminhar um projeto. "Chato", segundo a régua empobrecida de que tudo hoje precisa ser divertido. Mas muito prazeroso, porque aprender nos empodera e dá prazer.
O que quero dizer é que a escola tem finalidades próprias: refletir sobre o mundo, partilhar conhecimento socialmente e cientificamente validado. Para isso, se apoia em métodos igualmente próprios, prioritariamente em livros e na cultura letrada. Daí o mérito de iniciativas como a restrição do uso do celular na escola.
Sem desconsiderar questões como a responsabilização pela implementação da política (vai ser uma tarefa só do professor?) e pela guarda dos aparelhos, vejo que a proibição ajuda a blindar a escola, seus métodos, tempos e movimentos. Embora não seja essa a finalidade principal da lei federal —que fala em fortalecer a saúde mental dos estudantes—, estamos diante de um típico caso de efeito colateral benéfico.
Igreja, trabalho, rede social, escola: cada instituição funciona de uma maneira, e é importante que crianças e adolescentes tenham acesso a diferentes formas de aprender e de pensar. A linguagem "divertida" do audiovisual já é amplamente predominante. É preciso proteger as demais.
Em "Manifesto pela Educação Midiática", David Buckingham, professor emérito de mídia e comunicação na Loughborough University, no Reino Unido, afirma:
"Afastar-se desse mundo intensamente mediado certamente não é fácil. É difícil indagar o que somos muitas vezes inclinados e incentivados a achar normal. Talvez seja preciso pegar as coisas que parecem muito familiares e 'torná-las estranhas' para olhar para elas com novos olhos."
Às vezes, a melhor resposta para um vídeo curto desinformativo é um textão longo e chato.
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