Pretensão de potência conservadora, ambicionada pelo Brasil, cai com Trump
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Não durou muito. A empolgação do governo brasileiro, de sentir-se como uma potência política e protagonista de uma frente conservadora no mundo desmorona junto com a queda de Donald Trump.
Agora, oficialmente, o presidente dos Estados Unidos é Joe Biden, empossado em uma cerimônia cheia de simbolismos e recados para a era Trump. Ainda que Biden não seja exatamente a definição de progressista, ele evidentemente afasta o país da extrema-direita, o ultraconservadorismo da gestão anterior. E assim, também se afasta do Brasil.
No início de 2020, o governo brasileiro, tendo à frente o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, celebrava a formação de uma aliança conservadora de defesa dos valores cristãos, junto com os Estados Unidos, Polônia e Hungria.
A Aliança Pela Liberdade Religiosa, embora defendesse a liberdade de "todas as religiões", na prática, reivindicava expressamente uma supremacia cristã, se dizia pronta para combater a perseguição de cristãos no mundo e, de maior interesse para o Brasil, desejava emplacar a ideia da "cristofobia".
Este era um movimento tão importante que Ernesto Araújo era presença confirmada em todos os encontros pré-lançamento da Aliança. As viagens e participações de Araújo costumavam ser registradas pelo próprio, com postagens frequentes em sua conta pessoal do Twitter.
Araújo transformou o monitoramento de perseguição e assassinato de cristãos em territórios do Oriente Médio e do continente africano quase que em uma prioridade da diplomacia brasileira, sempre conclamando a comunidade internacional. O chanceler orgulhava-se de estar na liderança de uma aliança que reunia cerca de 25 países (todos alinhados à direita).
Intercâmbio entre bancadas evangélicas de Brasil e EUA
Enquanto isso, em seu próprio país, templos e terreiros das religiões de matriz africana eram cotidianamente violentados, atacados, sem que o governo demonstrasse qualquer movimento de combate à intolerância a essas religiões ou ao racismo religioso envolvido nos ataques a elas.
Com o governo Trump, parlamentares evangélicos brasileiros, conservadores, majoritariamente integrantes da Bancada Evangélica, tiveram aulas de "estudos bíblicos" ministrada pela organização americana "Capitol Ministries".
Este é um grupo, que atua dentro do Capitólio, uma espécie de "Bancada Evangélica americana", que se dedica à formação de parlamentares e políticos cristãos ao redor do mundo, ensinando desde o capitalismo como sendo o sistema "escolhido por Deus" à justificativas bíblicas para a construção do muro na fronteira com o México ou o porte de armas.
Com Donald Trump e o secretário de Estado Mike Pompeo à frente, a Aliança prometia consolidar uma força e influência significativa para a extrema-direita internacional. Sem Trump, e com Biden aliado com igrejas e lideranças evangélicas mais progressistas, essa bola murchou.
"Cristofobia" passa ao ambiente restrito a extremistas
Por via do "combate à liberdade religiosa", movimentos cristãos de supremacistas brancos nos Estados Unidos tentaram construir uma narrativa sobre o Black Lives Matter como destruidores da família nuclear. Um discurso que já começava a chegar no Brasil, ofuscando assim o debate da necessidade da luta antirracista, da qual o BLM é um dos símbolos mais fortes no mundo.
Biden, um cristão católico, fortaleceu, a partir de Obama, a aproximação com igrejas progressistas, e também com igrejas negras. Se a Aliança Pela Liberdade Religiosa permanecer, ela dificilmente vai manter este perfil de "cristianização" do mundo, como queriam Trump e Ernesto Araújo.
Novos tempos parecem ter chegado. O governo brasileiro parece cada vez mais isolado em um conservadorismo de extrema-direita retrógrada, que se pensou autossuficiente a partir da "proximidade" com a família Trump.
Sem a família Trump, o discurso da "cristofobia" passa a ser restrito aos movimentos extremistas, aos conservadores intolerantes, que comprometem a democracia, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil.
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