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Ronilso Pacheco

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Nomeações no Ministério da Educação forjam projeto teocrático no Brasil

O ministro da Educação, Milton Ribeiro - Isac Nóbrega/PR
O ministro da Educação, Milton Ribeiro Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

17/03/2021 04h00

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No dia 10 de março, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, despertou o alerta da comunidade da educação ao indicar a professora Sandra Lima Vasconcelos Ramos para comandar o órgão do ministério responsável pela coordenação de materiais didáticos.

O alerta se dá pelo histórico de Sandra Ramos, com sua defesa da "Escola Sem Partido", sua batalha contra a chamada "ideologia de gênero" e sua tentativa de tornar o criacionismo uma teoria reconhecida e ensinada na grade curricular das escolas.

A presença de Sandra Ramos desperta em mim um outro alerta: o Ministério da Educação está se enveredando por um caminho teocrático. Em outras palavras, uma orientação religiosa cristã fundamentalista está se impondo no Brasil, ainda que sutilmente

Ensino domiciliar x Diversidade na escola

Sandra Ramos vai se juntar a Carlos Nadalim, que é secretário de Alfabetização, discípulo de Olavo de Carvalho e herança da era Weintraub. Nadalim é árduo defensor tanto dos "valores cristãos" quanto do chamado homeschooling, o ensino domiciliar.

É verdade que existe um grande debate em torno do homeschooling e sua efetividade. Mas a questão do campo extremista olavista no governo é outra: é impedir que crianças tenham contato com uma educação plural e crítica e que sejam expostas a uma diversidade que não é tolerada no campo conservador.

O homeschooling seria a ruptura com a educação que é considerada "muito de esquerda" e "anticristã" e, no limite, influenciada por "ideologias comunistas". É a fuga para as montanhas, é impedir os filhos de aprenderem com uma escola em uma sociedade "deteriorada" ou "infiel".

Não é por acaso que o grupo, incluindo o próprio ministro, tem como inimigo comum o educador Paulo Freire, referência quase que unânime no mundo quando o assunto é educação. Além de um educador revolucionário, Freire é um nome importante para a Teologia da Libertação, que cristãos conservadores consideram "marxismo cultural" disfarçado de teologia.

Por que a aposta em escolas cívico-militares

Sandra Ramos também se junta à assessora especial de Milton Ribeiro, Inez Borges, cujo histórico de militância na chamada "educação cristã" é conhecido. Em um encontro evangélico de 2017, Inez afirmou que "a pedagogia começou a ser tratada de forma científica, desvinculada da igreja e da família e deixando a educação nas mãos do Estado".

Inez é profundamente envolvida com a organização Visão Nacional para a Consciência Cristã, de orientação conservadora. Ela chegou a gravar vídeo convidando para o encontro Consciência Cristã 2021, que aconteceu em fevereiro.

Não é por acaso que essas pessoas estejam em lugares estratégicos, assim como Benedito Aguiar Neto, presidente da Capes, fundação do Ministério da Educação com poder de decisão sobre financiamento de pesquisas e eventos acadêmicos. Presbiteriano e ex-reitor da Universidade Mackenzie, Benedito chegou ao MEC ainda na gestão Weintraub e foi um dos primeiros passos para garantir o controle e a vigilância de pesquisas e atividades que divulgariam conhecimentos que diferem do conservadorismo cristão.

Sem dúvida, um braço fundamental do projeto "teocrático" da educação está a cabo da construção das escolas cívico-militares, em que a administração e condução pedagógica é feita em parceria entre professores e demais funcionários civis e militares. Só no ano passado, em meio à pandemia, o governo federal implantou 51 escolas deste modelo.

A adesão ao projeto é voluntária. No entanto, o investimento prometido pelo Ministério da Educação e a promessa de que a escola passe a ter média de desempenho alcançado pelas escolas técnicas militares do país, transforma a proposta em uma escolha "dourada", desejada por muitos prefeitos e diretores de escola.

Entre os objetivos das escolas cívico-militares, estão "a promoção de educação básica de qualidade; o atendimento preferencial às escolas públicas em situação de vulnerabilidade; o desenvolvimento de ambiente escolar adequado". E a pergunta inevitável é: por que uma escola pública precisa se tornar "cívico-militar" para ter esse atendimento?

Uma parte da resposta está no próprio manual das escolas cívico-militares. O que é posto como disciplina rígida e exigência de maior compromisso dos alunos é na verdade uma formatação militarizada da vida estudantil, em que as noções de "autoridade", "disciplina", "hierarquia" e "valores" são diretamente forjados pela perspectiva cristã conservadora de garantir a supremacia cristã na sociedade.

Com dificuldades de interferir na "disciplina" das escolas públicas e enquadrar professores e matérias que seriam vistas como "esquerdistas", o MEC do governo Bolsonaro aposta nas escolas cívico-militares para que a autonomia dos professores nas aulas sejam neutralizadas pela disciplina, a ordem e o "bom comportamento" sob rígido controle militar, e cristão, fora da sala de aula.