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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em crise, fundamentalismo evangélico aposta todas as fichas em Mendonça

André Mendonça, indicado por Bolsonaro a uma vaga no STF - Kleyton Amorim/UOL
André Mendonça, indicado por Bolsonaro a uma vaga no STF Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Colunista do UOL

19/09/2021 04h00

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Ao contrário do que tentam fazer parecer, o apoio das megapastores bolsonaristas pentecostais e neopentecostais a André Mendonça no Supremo Tribunal Federal (STF) é relativamente recente. Desde o momento em que se abriu a primeira vaga para o STF no governo Bolsonaro, o apoio deles era pelo nome do juiz federal William Douglas Resinente dos Santos, atual titular da 4ª Vara Federal em Niterói (RJ).

Mendonça sempre foi uma aposta da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). Até cerca de um ano atrás, duas cartas de apoio a indicações ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ser o ministro "terrivelmente evangélico" circulavam entre as lideranças do segmento evangélico ultraconservador.

A primeira carta trazia a assinatura da maioria das lideranças pentecostais e neopentecostais, com Silas Malafaia à frente.

Em setembro de 2020, com o texto nas mãos, Malafaia foi até Bolsonaro pressionar pela indicação do nome de William Douglas para a vaga. Na ocasião, Malafaia dizia que o juiz carioca tinha o apoio de 95% das lideranças evangélicas.

Bolsonaro teria ouvido, mas sem garantir a indicação. A força das lideranças signatárias da carta era significativa para o presidente. Em fevereiro de 2021, ele chegou a confirmar a indicação de William Douglas.

Ainda em janeiro deste ano, um portal evangélico com grande circulação e leitura no campo pentecostal e neopentecostal fez uma enquete e indicou que William Douglas tinha apoio de 92% das lideranças evangélicas.

A segunda carta também circulou em setembro de 2020, e foi publicada pela Anajure. Na nota pública, a associação declarava o seu apoio a André Mendonça. No texto, a associação afirma que Mendonça é "nome de consenso" no segmento evangélico, "goza de alta confiança e prestígio no governo e entre nós juristas evangélicos" e "mostra-se o mais consistente no atual cenário".

Com a Anajure, estavam os mais importantes nomes do conservadorismo calvinista do país, que costumam agir com muito mais "sutileza" na arena política do que o time de Malafaia.

Esse grupo permaneceu coeso em torno de Mendonça, e o aquecimento do debate sobre liberdade religiosa devido à abertura ou não de templos durante a pandemia tornou a associação cada vez mais fundamental para Bolsonaro.

Aqui se encontram detalhes pouco percebidos pela maioria dos analistas políticos que acompanham a novela que se tornou a confirmação ou não da sabatina de André Mendonça pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o apoio "evangélico" a Bolsonaro e seus personagens.

O primeiro ponto é como cada grupo reivindica para si a representação evangélica. Essa reivindicação colabora para uma intensa nuvem de fumaça, que captura as atenções e o debate sobre o apoio evangélico ao governo e confunde quanto ao reconhecimento do que é muito mais grito por parte das lideranças conservadoras do que conexão com a realidade.

O segundo é que por trás de duas indicações com forte apoio e lobby diferentes, está também a difícil tarefa do governo de amalgamar duas forças que se estranham no campo evangélico conservador e fundamentalista brasileiro. Conservadores reformados (calvinistas) e conservadores pentecostais e neopentecostais.

Tradicionalmente, o campo calvinista conservador hostiliza pentecostais e neopentecostais como "mais ignorantes", ou como tendo limitada qualificação acadêmica.

Esta arrogância já rendeu polêmica após a entrevista de um dos nomes mais influentes do campo calvinista brasileiro. Em abril deste ano, em entrevista à Folha de S. Paulo, o reverendo Augustus Nicodemus desqualificou evangélicos pentecostais e neopentecostais, dizendo que inclusive se recusava a chamar algumas delas de "igreja".

Silas Malafaia, Edir Macedo, Estevam Hernandes, Manoel Ferreira, Valdemiro Santiago, RR Soares e companhia se tornaram cada vez mais próximos de Bolsonaro, fiéis incondicionais, integrando caravanas e motociatas do presidente, pondo a cara a público convocando jejum e oração pelo Brasil, enquanto a pandemia de coronavírus avançava no país.

Mas viram a "chave" do poder ser entregue mesmo para os conservadores calvinistas, que ocuparam os ministérios da Educação, da Justiça (ainda que por pouco tempo), além de diversos cargos na pasta de Damares Alves (da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) e de relevância na política internacional via Ernesto Araújo (ex-ministro das Relações Exteriores, que não era evangélico, e sim católico).

Mas os dois grupos evangélicos parecem ver que a força de sua mobilização e conversão de apoio ao governo Bolsonaro desidrata rapidamente. Enquanto negam a realidade —de que grande parte da base evangélica vota não apenas pela orientação pastoral, mas pelas questões que se impõem social e economicamente—, a extrema-direita evangélica busca somar forças para Mendonça, agora que ele é o único nome em disputa direta com outras indicações e outras preferência dos senadores.

Isso também mostra que esta disputa não tem qualquer compromisso com o Brasil, mas com poder. As lideranças do campo conservador evangélico estão comprometidas em fazer o país retroceder em direitos e democracia, para garantir sua cooptação da sociedade e da agenda política do país. Se odeiam entre eles, enquanto performam o amor pelo Brasil. Falácia fundamentalista.