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Rubens Valente

Prisão de bolsonarista segue coberta por sigilo no STF, quatro dias depois

Manifestação de juristas em defesa do STF, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), nesta quarta-feira (13/05/2020) - Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
Manifestação de juristas em defesa do STF, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), nesta quarta-feira (13/05/2020) Imagem: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

30/06/2020 04h00

Quase quatro dias depois da prisão do jornalista bolsonarista Oswaldo Eustáquio em um hotel na última sexta-feira (26) em Campo Grande (MS), os advogados de defesa ainda não sabem a razão.

O caso tramita em sigilo no STF (Supremo Tribunal Federal) e, até as 22h00 desta segunda-feira (29), o ministro que emitiu a ordem de prisão, Alexandre de Moraes, não havia concedido acesso ao processo, segundo a defesa.

A prisão temporária, que tem prazo prorrogável de cinco dias, foi ordenada pelo ministro a partir de uma petição sigilosa que teria começado a tramitar no tribunal a pedido da PF. A petição seria derivada de outro procedimento, o inquérito 4828, que apura a realização de atos antidemocráticos em Brasília e que igualmente tramita em segredo no tribunal. No dia 15, Eustáquio foi alvo de um mandado de busca e apreensão também emitido por Moraes.

A coluna indagou ao STF o motivo da prisão e por que a suposta investigação não foi liberada aos advogados da defesa. O STF respondeu, por meio de sua assessoria: "Trata-se de processo sigiloso. Não temos informações".

No início da tarde de sexta-feira, Eustáquio foi detido e levado pela PF para a Superintendência do órgão em Campo Grande. Depois que a notícia se espalhou, dois advogados da cidade, Gustavo Moreno e Marcos Caldeira, prestaram o primeiro auxílio ao preso.

Tanto Eustáquio quanto os advogados tiveram acesso apenas à cópia do mandado. Trata-se de um documento simples e curto, no qual o ministro do STF apenas manda a PF recolher Eustáquio a uma cela, tomando o cuidado de "evitar a exposição indevida". O conteúdo da investigação não foi franqueado aos advogados.

"Nós não recebemos os autos, então não sabemos qual a fundamentação dessa prisão. O fundamento estaria na representação da Polícia Federal. Foi um documento que a gente pediu [à PF], insistiu, mas disseram que precisavam de um aval do Supremo, e foi dito que esse aval não foi dado. Mas quem representa o Eustáquio é outro advogado, de Curitiba [Elias Mattar Assad], nós só fizemos o primeiro apoio", disse o advogado Caldeira. Em nota divulgada no sábado, os advogados reafirmaram que não tiveram acesso aos autos.

O cenário descrito pelos advogados destoa da ampla maioria das operações desencadeadas pela PF no país. Ao prender uma pessoa, o juiz, a polícia ou o Ministério Público Federal fornecem ao defensor pelo menos a própria decisão judicial, que costuma conter os principais aspectos do caso. O mandado assinado por Moraes não contém informação sobre as suspeitas levantadas contra Eustáquio.

No dia seguinte, sábado (27), Eustáquio constituiu um advogado de Curitiba (PR), Elias Mattar Assad, que por computador no mesmo dia peticionou no STF, em Brasília, nos autos do inquérito 4828, que tramita em sigilo para apurar os atos antidemocráticos. Além de defender a liberação imediata do cliente, o advogado pediu acesso aos autos que motivaram a prisão. Até às 22h00 desta segunda-feira, Moraes não havia decidido a respeito, segundo o advogado.

'Perigosíssimo precedente'

Assad disse à coluna no domingo (28) que ele mesmo não concorda com tudo o que Eustáquio escreveu ou divulgou nos últimos tempos, mas a prisão era desnecessária porque seu cliente tem o direito de responder em liberdade "quaisquer que forem as acusações" e "preenche todos os requisitos subjetivos para tanto, como endereço fixo, é pessoa pública".

"Ele não tinha contra si mandado de prisão, logo, não poderia estar foragido. Nunca foi indiciado em nada. Não tinha intimação, não tinha nada. Daí a jogá-lo no calabouço? Ele atirou pedra no Supremo? Não. Jogou bomba no Congresso? Não", disse Assad.

Em sua página no Facebook, Assad chamou a atenção para o precedente criado com a prisão. "Pela nossa Constituição, podemos discordar do modo de ser ou pensar de qualquer pessoa, mesmo de Osvaldo Eustáquio, em seu candente estilo próprio de jornalismo - a exemplo de apresentadores de 'programas policiais' sensacionalistas, vez por outra até ofendendo partes, magistrados, membros do MP, advogados e policiais, com eventuais sanções civis indenizatórias, tutelas inibitórias etc. Mas levar jornalistas ao calabouço, pelo uso da palavra escrita ou falada, mesmo por militância política, exige melhor reflexão e ponderação, pelo perigosíssimo precedente."

Com base em apuração de bastidores, a imprensa levantou o provável motivo da prisão. A PF teria detectado uma suposta tentativa de Eustáquio de deixar o país. Antes de ser preso, ele esteve em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, que faz fronteira com o Brasil pela cidade de Ponta Porã (MS).

Sobre isso, seu advogado argumentou que ele tem família em território paraguaio, onde sua mãe nasceu. Além disso, logo depois de ir ao Paraguai ele regressou a Campo Grande, onde tomaria um avião para retornar a São Paulo. Se ele de fato quisesse sair do país, indagam os advogados, por que ele deixou o Paraguai, onde esteve na semana passada, para regressar ao Brasil?

"O fato de ele estar em região fronteiriça prende-se ao fato de ele ter família no Paraguai. A mãe dele é de lá, tem tios. É um lugar onde ele circula sempre. Pouco antes de ser preso, ele fez uma matéria no Paraguai, na qual fala do comércio aberto apesar da pandemia. Ele não tinha mandado de prisão, logo não poderia estar foragido. Nunca foi indiciado em nada. Não tinha intimação, não tinha nada", disse o advogado.

A coluna confirmou que contra Eustáquio não havia, antes de sua detenção, nenhum mandado de prisão ou ordem judicial que o impedisse de viajar para fora do Brasil. Mas os advogados de defesa também não conseguem confirmar se esse foi o fundamento da prisão, pois não tiveram acesso à investigação.

OAB defende prerrogativas

Procurador nacional de prerrogativas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nacional, o advogado Alex Sarkis disse à coluna que "é óbvio, tanto pelo Código de Processo Penal quanto pela Constituição, que uma pessoa precisa saber o motivo da sua prisão".

E qual o prazo para isso? "Imediatamente. O acesso à informação é até condição para a validade do ato. O direito ao acesso nasce com a prisão, com o auto que constrange a liberdade. A pessoa não tem que esperar uma hora, duas horas, um minuto, tem que ser dado o acesso imediatamente", disse o advogado.

"Isso causa enorme preocupação, isso não é praxe, não deve acontecer. A única hipótese, remotíssima, é que algumas diligências ainda estejam pendentes, mas elas deveriam ser praticamente concomitantes à prisão. O preso não pode ficar esperando uma suposta diligência ocorrer para ter acesso aos autos. É uma postura absolutamente contestável se de fato está acontecendo isso."

A OAB tem sido crítica de aspectos das investigações conduzidas pelo STF nos dois inquéritos presididos por Moraes, o que apura supostos fake news e ataques aos magistrados e ao tribunal e o que apura os atos antidemocráticos. No primeiro caso, a Ordem já foi procurada por quatro advogados que narraram não ter tido acesso à investigação. Depois, disseram que o acesso havia sido parcial. A OAB impetrou habeas corpus, que tem o ministro Edson Fachin como relator, para garantir o acesso dos defensores à íntegra da investigação.

"A OAB se manifestou no sentido de que jamais irá se dar por satisfeita até que seja conferido o acesso integral do inquérito. Não posso 'fatiar' o inquérito e só entregar a parte que interessa ao cliente. Porque o advogado precisa de todo o contexto. A OAB tem sido implacável nesse sentido. Não interessa se é advogado de esquerda, de direita, de cima, de baixo, a cor, o peso, não interessa de jeito nenhum. A ordem dada pelo presidente da Ordem [Felipe Santa Cruz] é atuar indistintamente", disse Sarkis.

"Essa é uma preocupação que a gente tem porque o STF é um grande farol dos magistrados. Tudo que ele faz, reverbera no juiz de piso [primeira instância]. Amanhã ou depois o juiz de primeiro grau pode se dar ao direito de fazer a mesma coisa. Precisamos se republicanos e demonstrar maturidade democrática para respeitar os preceitos constitucionais."

Jonas Marzagão, um advogado criminalista de São Paulo com mais de 30 anos de experiência na defesa de diversas pessoas e empresas alvos de investigações da PF, disse que, após o cumprimento de uma ordem de prisão, os juízes normalmente fornecem elementos para entender as prisões, às vezes cópias das representações do Ministério Púbico e da polícia e sempre a decisão judicial, que aponta a suposta necessidade da prisão.

"Como eu vou combater, como advogado, uma decisão se eu não sei os motivos da prisão? Não consigo. Se eu não tenho acesso à fundamentação, fico atado, não consigo cumprir o artigo da Constituição que me dá direito à ampla defesa."

Redes bolsonaristas

Eustáquio ganhou projeção nas redes bolsonaristas no ano passado ao propagar informações distorcidas e falsas a fim de atacar jornalistas da agência de notícias The Intercept Brasil no momento em que ela divulgava o escândalo conhecido como Vaza Jato, uma série de reportagens que colocou em xeque a isenção do então ministro da Justiça, Sergio Moro, na condução dos processos da Operação Lava Jato em Curitiba (PR), entre outras revelações.

O bolsonarista pretendia atingir os jornalistas para colocar em dúvida as revelações. Acusou falsamente o jornalista Glenn Greenwald de ter inventado uma doença em família - mas a mãe do jornalista de fato estava doente e morreria meses depois.

Desde que o ex-juiz federal rompeu com o presidente Jair Bolsonaro, contudo, Eustáquio o escolheu como um dos seus alvos preferenciais. Eustáquio também passou a fazer pesadas críticas ao STF, chamando-o de "ditadura", a delegados da PF e ao ministro Moraes, ainda mais depois que ele ordenou a prisão de outros bolsonaristas como Sara Giromini, a militante de extrema-direita que tem o apoio de Eustáquio.

Casado com a secretária Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Sandra Terena, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, Eustáquio colaborou, em 2018, com a equipe de transição do governo Jair Bolsonaro, segundo o jornal "Valor". Ele tem 114 mil seguidores no Twitter e 324 mil inscritos em um um canal no YouTube.

Eustáquio também é um negacionista das estratégias de isolamento social e da própria pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 58 mil brasileiros. Ele rejeita a denominação de "blogueiro". O seu perfil no Twitter divulga que ele se formou em comunicação social em 2010 pelas Faculdades Integradas do Brasil, em Curitiba (PR) e tem registro de jornalista no Ministério do Trabalho. Afirma ainda que trabalha com "jornalismo investigativo" do site Agora Paraná.