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Tales Faria

Indicação ao STF e fritura de Guedes revelam o verdadeiro Bolsonaro

Presidente Bolsonaro após uma reunião com ministros e líderes do centrão para anunciar prorrogação do auxílio emergencial - Marcos Corrêa/PR
Presidente Bolsonaro após uma reunião com ministros e líderes do centrão para anunciar prorrogação do auxílio emergencial Imagem: Marcos Corrêa/PR

Chefe da Sucursal de Brasília do UOL

06/10/2020 04h00

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Os eleitores de Jair Bolsonaro, em 2018, para presidente da República pertenciam a três grandes grupos:

  • ultraconservadores, classificados como bolsonaristas de raiz;
  • ultraliberais, trazidos pelo ainda ministro da Economia, Paulo Guedes;
  • antipetistas, ou seja, todos aqueles que consideravam Bolsonaro um mal menor do que a volta do PT.

Os três grupos estão em crise com o presidente da República. Para eles, a fritura de Guedes e a indicação de Kassio Marques como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) revelam que, na verdade, Bolsonaro nunca deixou de ser um político do centrão.

Foi dentro desse grupo de partidos sem coloração ideológica que o presidente sempre transitou nas suas várias filiações e desfiliações.

Bolsonaro já foi fichado em oito siglas: PDC, PPR, PPB, PTB, PFL (hoje DEM), PP, PSC e PSL. Flertou ativamente com outras duas: Prona e Patriota.

Todas são legendas da área de influência do centrão. Sendo que o presidente permaneceu por mais tempo no partido mais representativo do grupo, o PP, entre 2005 e 2016. O presidente da sigla, senador Ciro Nogueira (PI), é hoje o padrinho político do indicado como ministro do STF.

Para os ultraliberais, Bolsonaro está dando mostras de que seu discurso privatista e pelo esvaziamento do estado só valia para as eleições.

Logo após a aprovação da reforma da Previdência, o presidente passou a cobrar do ministro da Economia um projeto de política industrial e de retomada do crescimento econômico.

São teses incompatíveis com o laissez faire do ideário de Guedes e que colocaram o ministro na berlinda já no primeiro ano do governo.

A situação piorou após o fechamento em massa de empresas e dos empregos provocado pela pandemia do coronavírus. Bolsonaro praticamente abandonou Guedes e suas propostas liberais.

Os projetos de privatização de estatais foram estancados, a reforma administrativa, paralisada. O presidente até agora não deu aval nem mesmo à proposta de reforma tributária da área econômica.

Bolsonaro voltou-se para as ideias intervencionistas da ala militar do governo e dos políticos de centro do Congresso. Especialmente depois que o auxílio emergencial de R$ 600 fez aumentar sua popularidade.

Agora, para desespero de Guedes, obriga o ministro a participar de constrangedores almoços, jantares e reuniões em que é cobrada uma solução orçamentária para manter o auxílio num montante maior e mais abrangente do que o Bolsa Família.

O ministro da Economia se vê tendo que driblar pressões e críticas de seus colegas do primeiro escalão do governo e do Congresso para manter-se no cargo. Mas os agentes do mercado se mostram cada vez mais preocupados.

Já entre os antipetistas que votaram em Bolsonaro um expressivo grupo é representado no Congresso sobretudo pelos políticos do autodenominado centro-democrático.

São parlamentares do PSDB, do DEM, do Cidadania e do Solidariedade que se assustaram com o radicalismo conservador do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, do atual chefe da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, da ministra da Cidadania, Damares Alves, e do chanceler Ernesto Araújo. Todos pupilos de Olavo de Carvalho.

O centro democrático também defende teses econômicas, embora não tão radicais quanto as de Guedes, e se autodenomina progressista.

Reservadamente, suas figuras de maior influência no Congresso já manifestam dúvidas se, de fato, o escolhido para o Planalto foi um mal menor do que teria sido a eventual eleição, digamos, do ex-ministro da Educação Fernando Haddad.

Sem os liberais de Guedes e sem a parcela mais moderada dos antipetistas -e acossado por acusações contra seus filhos e ex-assessores-, Bolsonaro procurou uma base parlamentar que lhe blindasse contra o eventual impeachment.

Fechou acordo com o grupo onde sempre se sentiu mais à vontade: o chamado centrão, que de fato tem força no Congresso para barrar o processo. Mas não se sabe até quando, e por que preço, permanecerá apoiando o presidente.

Com a volta ao seu velho ninho, Bolsonaro acabou puxando o tapete daqueles bolsonaristas que basearam seu discurso no ataque à chamada "velha política". Uma parte deles já faz oposição aberta ao governo. É o caso da ex-líder do governo Joice Hasselmann.

Neste final de semana, ao confirmar que deverá indicar Kassio Marques para ministro do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro bateu de frente com a parcela dos bolsonaristas de raiz que permanecera apoiando o governo.

Nomes como Olavo de Carvalho, guru de seus filhos, e o pastor evangélico Silas Malafaia protestaram publicamente contra a indicação.

Malafaia, Olavo & Cia enxergam no indicado de Bolsonaro um aliado da ex-presidente petista Dilma Rousseff, além de defensor de teses contrárias aos conservadores e de funcionar como ponta-de-lança do centrão no Judiciário contra a Operação Lava Jato.

O presidente discutiu abertamente com o grupo pelas redes sociais. Disse que "é mentrira" que seu indicado tenha votado contra a extradição de Cesare Battisti para a Itália, conforme afirmou Malafaia.

E prometeu que a discussão não vai parar por aí: "Outros pontos serão colocados nas redes sociais".

Não vai parar mesmo.