A capotagem que levou Tarcísio ao colo de Valdemar
Em 2014, mais especificamente, no dia 6 de setembro de 2014, Tarcísio de Freitas era diretor-executivo do Dnit, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, do governo Dilma Rousseff.
Rodava o país pra checar a condição das estradas. Num comboio de quatro carros, Tarcísio estava na BR 163, conhecida como Sinop-Miritituba, que liga Mato Grosso ao Pará.
A estrada não era pavimentada e, ao redor dela, a vegetação nativa do cerrado tinha dado lugar a intermináveis plantações de soja. Os carros passavam por cima da terra batida levantando poeira.
A visibilidade piorou drasticamente. O motorista de Tarcísio perdeu o controle do volante. O carro capotou ribanceira abaixo, 50 metros rolando até trombar em um cupinzeiro e parar.
O pessoal nos outros carros se desesperou. Os motoristas frearam bruscamente e saíram correndo. Viram o carro de Tarcísio destroçado lá embaixo, era perda total.
Se aproximaram e, aliviados, encontraram os passageiros bem. Não tinham sofrido nem um arranhão.
Passado o susto, Tarcísio respirou fundo, pulou na carona de outro carro. E seguiu viagem.
Quinze dias depois, de volta a Brasília, Dilma promoveu Tarcísio a diretor-geral do Dnit. Ele tinha ganhado a confiança da então ministra do Planejamento, Miriam Belchior.
O problema é que o Dnit estava subordinado não à pasta dela, e sim ao Ministério dos Transportes.
E o Ministério dos Transportes era controlado pelo então PR, Partido da República, hoje chamado PL, Partido Liberal, a legenda de Valdemar da Costa Neto.
O ministro naquele momento era um interino chamado Paulo Sérgio Passos. Os quadros do PL se alternavam no posto, sempre com a indicação de Valdemar.
Autorizado pela presidente da República, Tarcísio começou o que na época Dilma chamou de "faxina contra a corrupção". Demitiu tanta gente do PL, que nem os motoristas de confiança dos políticos foram poupados. Ele mexeu na dinâmica das licitações e contratos. E pôs o dedo na cara de gente que estava acostumada a só ouvir "sim, senhor".
Valdemar e seu grupo ficaram contrariados.
Oito anos e várias capotadas políticas depois, o reencontro se tornou inevitável.
Bolsonaro decidiu que seu então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, seria candidato ao governo de São Paulo em 2022. Precisava filiá-lo a um partido.
Sondado, Valdemar disse aqui não.
Um dos ministros dos Transportes do então PR nos tempos de Dilma, hoje deputado e aliado próximo de Valdemar, confidenciou o clima dentro do PL para Tarcísio na época. "Toda a limpa que ele fez foi por birra, e se tornou um inimigo nosso."
Inimigo.
Tarcísio chegou a bater pessoalmente na porta de Valdemar e justificar as atitudes no Dnit como inexperiência política, segundo relatou o colunista Guilherme Amado, do site Metrópoles, naqueles meses pré-eleição.
Bolsonaro mandou então que Valdemar, se não fosse filiar o seu indicado, ao menos se coligasse com ele. O PL engoliu seco.
"Eu perdoo, mas não esqueço", sentenciou o aliado de Valdemar.
Tarcísio acabou filiado ao Republicanos, que apoiava o governo Bolsonaro no plano nacional. Mas nem sua própria legenda nem as que formaram a coligação — PL, PTB, PSC e PMN — se engajaram pra valer na campanha de Tarcísio. A relação era de conveniência.
Até constatarem sua força com as urnas do primeiro turno abertas. Aí o jogo mudou e todo mundo virou do time de Tarcísio desde criancinha.
Valdemar elegeu o presidente da Assembleia de São Paulo, André do Prado, um homem de sua confiança no PL paulista, e ambos desde então se encarregam da aproximação com Tarcísio.
A orientação de Bolsonaro para a migração do governador para o PL se tornou pública em março, quando o ex-presidente anunciou que a mudança estava "90%" acertada.
Mais recentemente, no início desta semana, Valdemar disse ao Estadão que "Tarcísio falou para mim que virá para o nosso partido lá para junho e agora estão todos ansiosos".
Horas depois, Tarcísio negou que esteja de saída. "Estou muito bem no Republicanos e os dois partidos vão caminhar juntos nas eleições municipais no Estado de São Paulo", disse Tarcisio à colunista do UOL Raquel Landim.
Internamente no PL, os recuos de Tarcísio, mesmo diante da ofensiva pública de Bolsonaro, causam estranhamento.
O Republicanos apoia o governo Lula e tem um ministro acomodado na Esplanada — Silvio Costa Filho, na pasta de Portos e Aeroportos.
Com a saída do governador bolsonarista, o partido ficaria mais livre pra fechar acordos com o PT para as eleições municipais de 2024, a sucessão na Câmara dos Deputados em 2025 e potencialmente até a eleição nacional em 2026.
Mas falta combinar com o Republicanos. Ter o governador da maior unidade da federação e um candidato forte à sucessão de Lula é um ativo nada desprezível para a legenda. A direção nacional já sinalizou que acompanha Tarcísio quaisquer que forem seus planos para 2026, seja disputar a Presidência, seja ir pra reeleição — com ou sem o envolvimento direto de Bolsonaro.
A ofensiva de Valdemar e Bolsonaro para levar Tarcísio ao PL tem desagradado políticos do Republicanos em São Paulo, que disputam o espólio do PSDB — partido que controlou o Estado por quase 30 anos.
"O partido tem o maior prazer em ter o governador, jamais vai fazer pressão pra que fique", disse Gilmaci Santos, deputado estadual do partido e primeiro vice-presidente da Assembleia. "Mas claro que queremos que ele fique."
Santos tentou aval de Tarcísio pra presidir a Assembleia, em 2023, mas o governador naquele momento preferiu o PL, fechou com Valdemar e apoiou André do Prado para o posto.
No entorno próximo do governador, fala-se que a questão não é se, mas quando. Tarcísio vai para o PL, mas prefere deixar passar a eleição para depois fazer a mudança.
O que é reiterado sempre é que Tarcísio não tem nenhuma disposição de contrariar Bolsonaro. E portanto seus projetos políticos andarão juntos.
A avaliação é que a reeleição de Lula, na fotografia do momento, é complexa. Os comentários de políticos e empresários que chegam ao Palácio dos Bandeirantes encorajam os planos bolsonaristas.
Mas com os ministros Nunes Marques e Andre Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral em 2026, o cenário pode mudar. O ex-presidente pode reverter a condenação e voltar a ficar habilitado para disputar a eleição.
Se isso não ocorrer, Tarcísio vai cair na estrada pra rodar o país de novo. Mas desta vez não será pra checar a pavimentação das vias, e sim abrir a estrada para seu próprio futuro político.
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