Thais Bilenky

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Reportagem

O embate entre Galípolo e Campos Neto em torno do sobe e desce dos juros

A chegada de Gabriel Galípolo à diretoria de Política Monetária do Banco Central, em julho de 2023, iniciou uma mudança de rota no Copom (Comitê de Política Monetária) e um contraponto silencioso entre ele e o então presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.

Já a sua indicação à presidência do BC, no final de 2024, exigiu recuos táticos para lidar com a inquietação no mercado financeiro.

O Copom faz reuniões a cada 45 dias para decidir se eleva, reduz ou mantém no mesmo patamar a taxa básica de juros, a Selic. A decisão afeta toda a economia.

O primeiro encontro de Galípolo com os outros integrantes do comitê —sete diretores e Campos Neto— foi tenso.

Entraram em choque duas visões distintas sobre a Selic: uma representada pela situação, outra pelo recém-chegado, indicado pelo governo petista.

O presidente Lula defendia uma redução da taxa básica de juros para evitar um esfriamento da economia, argumentando que a inflação estava sob controle.

O mercado dava sinais de desconfiança da posição de Lula, sustentando a defesa da responsabilidade fiscal.

Em agosto de 2023, dos nove integrantes do Copom, só dois tinham sido indicados por Lula. Os outros sete, por Bolsonaro.

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Horas antes do encontro, Lula deu uma entrevista a jornalistas estrangeiros e foi para cima de Campos Neto.

"Esse rapaz que está no Banco Central, não sei do que ele entende, mas ele não entende de Brasil e não entende de povo", atacou.

Fazia um ano que a Selic estava em 13,75%, a maior taxa de juros reais do mundo.

O Copom fechou a quarta-feira, 2 de agosto, rachado ao meio. Quatro membros queriam reduzir a Selic em 0,25 ponto. Outros quatro queriam um corte de 0,5.

Como Galípolo, Roberto Campos Neto optou pelo corte maior. Foi um bom sinal para Lula.

A partir dali, o BC fez sete cortes consecutivos na Selic, seis dos quais de meio ponto.

No sétimo, em maio, os ventos da economia mudaram. A taxa estava em 10,75%.

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Os indicados de Lula a essa altura somavam quatro membros, e os de Bolsonaro, quatro, além do presidente, Roberto Campos Neto.

Os primeiros argumentaram que era preciso seguir o plano estabelecido por eles mesmos na reunião anterior do Copom —o "forward guidance", como se diz no jargão—, reduzindo a taxa em mais 0,5 ponto.

A outra metade defendia ser preciso recalibrar o corte para 0,25 porque o cenário se tornara mais desafiador.

O voto de minerva estava com Campos Neto, que no racha anterior tinha votado com Galípolo.

Mas desta vez ele foi para o outro lado da mesa e aprovou o corte de 0,25 ponto, baixando a Selic para 10,5%.

Um vaivém de declarações

Na reunião seguinte, em julho, o cenário estava ainda mais adverso, dentro e fora do Brasil, com a inflação dando indicativos de aceleração.

O mercado financeiro pedia aumento dos juros, mas o Copom manteve a Selic em 10,5%.

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Agentes atribuíram a decisão à influência de Galípolo e ele decidiu se posicionar.

"Muitas vezes eu assisto a um receio de que os diretores indicados por Lula não poderiam votar pela elevação da taxa de juros", disse.

"Está muito claro, ao colocar na ata 'de maneira unânime', que todos os diretores estão dispostos a fazer aquilo que for necessário para perseguir a meta."

Mas a desconfiança dos operadores persistia, e a cada nova cutucada, Galípolo reafirmava a posição. "A alta está na mesa, sim", afirmou, dias depois.

Depois de semanas repetindo a mesma mensagem, um dos mais influentes gestores do mercado inverteu a cobrança e sugeriu que Galípolo falava como se estivesse decidindo subir os juros sozinho, em nome do Copom.

"Depois de tudo que o Galípolo falou, o BC ficou no 'corner'", afirmou Luis Stuhlberger, da Verde Asset.

Haddad estava em vias de confirmá-lo para presidente do BC, e a iminência da indicação fez a pressão subir. Pela primeira vez, Galípolo fez uma mesura ao mercado, reforçando que não havia divergência de posicionamento.

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"Vim agora de uma fala em que me expressei mal e tive uma interpretação inadequada, ainda que tenha repetido várias vezes: estou reafirmando minha fala anterior. Tenho que estar disponível para receber essas críticas", afirmou.

Haddad oficializou a indicação e aí, só aí, Campos Neto se posicionou publicamente, não exatamente em socorro do sucessor.

"Tem uma dimensão positiva na pressão, porque a gente aprende mais e acaba estudando mais. Eu acho que sim, [Galípolo] vai passar por pressão como eu passei", disse o presidente do banco.

Lula por fim entrou em cena. "Se Galípolo chegar um dia para mim e disser que tem que aumentar a taxa de juros, ótimo, aumente."

Na reunião seguinte, o Copom voltou a subir os juros.

Quem acompanhou o processo de perto entendeu que Galípolo preferiu recuar a entrar em disputa aberta com Campos Neto, para preservar o BC.

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Abordado pela reportagem, Campos Neto não quis dar entrevista.

Reportagem

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