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Thaís Oyama

O general Ramos é a mais nova vítima da maldição de Brasília

Ministro general Luiz Eduardo Ramos, no centro, de verde: nada de escandaloso no front - Jonas Pereira/Agência Senado
Ministro general Luiz Eduardo Ramos, no centro, de verde: nada de escandaloso no front Imagem: Jonas Pereira/Agência Senado

Colunista do UOL

12/06/2020 11h44

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É uma pérola a entrevista do general Luiz Eduardo Ramos à revista VEJA.

O ex-chefe do Comando Militar do Sudeste foi alçado ao cargo de ministro da Secretaria de Governo em julho do ano passado.

Entre as suas atribuições, estava a de comandar a articulação política entre o governo e o Congresso. O general assumiu a tarefa com orgulho, lastreado pela credibilidade que, acreditavam muitos à época, lhe conferia o status de militar, e ainda por cima da ativa.

Agora, o general Ramos, perguntado pela revista sobre as negociações de cargos entre o governo e o Centrão, que seu chefe havia jurado jamais fazer, respondeu com o didatismo e a convicção dos que creem estar dizendo algo muito lógico:

"A fidelidade é uma responsabilidade dos partidos. O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, tem sessenta votos. Por isso, ele tem espaço no governo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)".

Não ocorre ao general questionar por que motivo o notório senador Ciro Nogueira — denunciado na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — quereria do governo esse "espaço", cujo orçamento em 2019 foi de 55 bilhões de reais. Um ano depois de chegar ao Planalto, o general já olha tudo com naturalidade.

O finado jornalista Jorge Bastos Moreno criticava a "dessensibilização" que Brasília provoca nos que ficam muito tempo por lá, incluindo jornalistas. Ele contou uma história que ilustra o fenômeno, em uma entrevista para o livro que escrevi em 2012 (A Arte de Entrevistar bem - editora Contexto).

Nos idos do governo Sarney, o deputado do MDB Roberto Cardoso Alves, conhecido como Cardosão, era um assíduo frequentador da sala de imprensa do Congresso.

Nos cafezinhos que gostava de dividir com os repórteres, repetia uma frase que servia para comentar desde a nomeação de fulano para um cargo no governo à troca de beltrano de partido, movido por determinado interesse:

"Pois é, meu filho, é dando que se recebe".

Moreno conta que os jornalistas estavam cansados de ouvir o mesmo comentário de Cardosão.

"Até que um dia chegou um repórter novo no comitê e falou: 'Essa frase é muito esquisita. É uma apologia do fisiologismo!'. A frase foi publicada e foi um escândalo". Virou um símbolo da Nova República e acompanhou Cardosão até a sua morte, em 1996.

O "é dando que se recebe" é pai do "toma-lá-dá-cá".

E o general Ramos é, ao que se vê, a mais nova vítima da maldição de Brasília.