Topo

Thaís Oyama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O populismo de Bolsonaro em três frases e o derretimento da Petrobras

Colunista do UOL

22/02/2021 11h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

  1. Em fevereiro de 2019, ao participar de um seminário sobre desestatizações do setor elétrico, Paulo Guedes afirmou à plateia:
    "A velha política morreu. As estatais não vão mais alimentar uma forma equivocada de fazer política, esse excesso de gasto do governo que corrompeu a democracia e travou o crescimento da economia".

Até o momento, o ministro nada disse sobre o manifesto desejo do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a sua popularidade baixando a conta de luz, manobra que se daria às custas do uso de um fundo setorial e tributos federais.

  1. Em abril de 2019, tentando consertar o que foi na ocasião considerado não mais que uma "gafe" de presidente em início de mandato, o então porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, afirmou a jornalistas:

"Uma frase que o nosso presidente disse logo no início da reunião: 'Eu não quero e não tenho direito de intervir na Petrobras'".

Pouco antes, ao saber que a petroleira havia anunciado o aumento do preço do diesel, Bolsonaro havia telefonado para a direção da empresa ordenando o cancelamento do reajuste. A divulgação da interferência do presidente causou um princípio de incêndio no mercado - as ações da Petrobras caíram 7,5% de imediato. Paulo Guedes correu para apagar o fogo e logo depois o porta-voz garantiu que o presidente havia entendido as explicações do ministro — não iria mais intervir na petroleira. O interlocutor de Bolsonaro no telefonema em que o presidente reclamou que a Petrobras estava "jogando diesel" no seu chope era Paulo Castello Branco, demitido anteontem pelo ex-capitão por ter anunciado um novo aumento no preço do diesel.

  1. Em setembro do ano passado, falando em sua live semanal sobre o auxílio emergencial, Jair Bolsonaro disse:

"Quando foi criado era para três meses. Passamos para cinco. Alguns querem para mais quatro. Impossível. Quebra o Brasil, perdemos a confiança".

Nem precisou apertar muito.

Bastou o presidente amargar sua primeira queda de popularidade, em janeiro, para esquecer o perigo de a prorrogação do auxílio "quebrar o Brasil".

Para um líder populista, há sempre uma solução simples para um problema complexo.

Para reduzir a inflação, congela-se o preço dos alimentos. Para acabar com a escassez de carne, manda-se a Polícia Federal caçar bois no pasto. Para baixar o preço da gasolina e da conta de luz, demite-se o presidente da Petrobras e arromba-se um pouquinho mais os cofres públicos.

O populismo tende a vicejar nas crises porque se baseia na ideia de um permanente confronto entre "o povo e as elites". Assim, toda vez que o negócio aperta para o lado do governante populista (o "protetor do povo"), os culpados já estão nominados.

São, claro, "as elites", cuja cara pode mudar dependendo da situação: ora é o Congresso, ora o Supremo Tribunal Federal, ora a imprensa.

Agora parece ser "o pessoal do lucro" que "não tem coração".

O ano passado marcou o oitavo ano consecutivo que estrangeiros retiraram investimentos do Brasil (em 2020 foram 51 bilhões de dólares líquidos que fugiram pela janela), o que é bem fácil de entender.

Um investidor estrangeiro, ao constatar que seu dinheiro está num país governado por um presidente impulsivo, que acredita em cloroquina como cura da Covid-19 e não tem pudor em interferir na gestão de empresas autônomas, muda seu dinheiro de lugar e pronto.

Já para os brasileiros que aqui ficam a coisa é mais complicada.

Se não é possível mais confiar no investimento estrangeiro para facilitar a retomada do crescimento e do emprego, tampouco se pode contar para isso com a possibilidade de investimento público ou do setor privado, um inexistente e o outro, asfixiado.

Nunca houve amor verdadeiro entre o nacionalista-populista Jair Bolsonaro e o liberal Paulo Guedes — mas a essa altura, isso é o de menos.

Como um casamento de conveniência, esse pode até sobreviver.

Quem está arriscado a não ter futuro é o Brasil.