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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro pode escapar de processo, mas não escapará das perguntas

Colunista do UOL

15/03/2021 11h18

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Jair Bolsonaro detesta a imprensa. Já disse que ela é "o maior problema do Brasil" e que não pode ser comparada nem a lixo, porque o lixo ao menos é reciclável. Já a imprensa "não serve para nada".

O presidente tem mil razões para não gostar do trabalho que fazem os veículos de comunicação profissionais no Brasil. Reportagem publicada hoje pelo UOL deu a ele mais uma. Com base na análise de 607.552 operações bancárias da família Bolsonaro trazidas à luz por quebra de sigilo judicial (hoje suspenso), a reportagem reforça os indícios daquilo que há muito se suspeita: que Jair Bolsonaro usou dinheiro público para subir na vida.

De um modesto proprietário de um Fiat Panorama, uma moto e dois lotes baratos no interior do Rio que era quando entrou para a política em 1988, o ex-capitão já tinha se transformado em um homem rico quando se candidatou à Presidência. Só em patrimônio declarado à Receita acumulava 2,3 milhões de reais, incluindo quatro casas.

Os três filhos de quem ele foi iniciador e mentor na política também progrediram bastante, como mostram suas declarações de renda.

Hoje, ao menos Flávio Bolsonaro, o Zero Um, e Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, são acusados pela prática da rachadinha — desvio, na direção do próprio bolso, de dinheiro público destinado a pagar funcionários de gabinetes. Teria sido Bolsonaro pai o responsável por ministrar os princípios da prática a seus aprendizes?

É o que indica a reportagem do UOL.

Pela lei, Bolsonaro não pode responder criminalmente por atos praticados antes de assumir a presidência. E mesmo que pudesse, a pessoa que teria mais informações e dados a fornecer à Justiça sobre o que se passava nos quatro gabinetes do clã Bolsonaro durante os anos em que o ex-capitão foi deputado federal já não está mais aqui. O capitão do Exército Jorge Francisco acompanhou Bolsonaro por mais de duas décadas e foi seu chefe de gabinete até morrer de infarto, em abril de 2018, em meio à campanha eleitoral. Pai do atual ministro do TCU Jorge Oliveira Francisco, o "capitão Jorge" era íntimo da família a ponto de Carlos Bolsonaro preferir dormir no apartamento dele quando vinha a Brasília visitar o pai.

Mas há outros colaboradores dos tempos antigos que não estão apenas vivos como continuam bem empregados ao lado de Bolsonaro —e poderiam ajudar a esclarecer as suspeitas em torno do chefe. Pedro Cesar Nunes Ferreira Marques de Sousa é um deles.

Atual chefe de gabinete do presidente, o "major Pedro", como é chamado, poderia começar explicando por que em janeiro de 2019, primeiro mês de Bolsonaro na presidência, afirmou a um advogado que lhe procurou para acertar uma despesa devida pelo chefe que a renda do ex-capitão havia "caído muito" desde que ele deixara de ser deputado.

A reportagem publicada hoje pelo UOL irá somar novas questões "proibidas" ao já vasto index de perguntas que os jornalistas não podem fazer a Bolsonaro ("Presidente, por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta da Michelle?") sob pena de tomarem uma troletada do ex-capitão ou fazer com que ele anuncie que "acabou a entrevista", como ocorreu neste mês quando um repórter perguntou-lhe a respeito da investigação sobre Flávio Bolsonaro.

Como presidente da República, é fácil para Bolsonaro fazer ouvidos moucos a perguntas incômodas. Mais difícil será escapar delas como candidato, no palco dos debates para a eleição presidencial de 2022. Reportagens como a de hoje do UOL certamente estarão na pauta, e os adversários não lhe darão folga.

Bolsonaro tem mil motivos para não gostar da imprensa.

Mas erra quando diz que ela não serve para nada.