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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Centrão quer despachar Ernesto Araújo e faria bem se conseguisse

O chanceler Ernesto Araújo: ao presidente, amém - Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo
O chanceler Ernesto Araújo: ao presidente, amém Imagem: Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

25/03/2021 11h45

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O chanceler Ernesto Araújo foi massacrado ontem por parlamentares durante a exposição no Congresso sobre o desempenho de sua pasta na pandemia. Senadores disseram-lhe na cara que deveria pedir demissão para o bem do país; Fabiano Contarato (Rede-ES) chegou a perguntar-lhe se havia mesmo cursado o Instituto Rio Branco, tão despreparado o diplomata parecia para a função.

Araújo começou sua fala em tom de soberba para terminá-la quase no choro.

Cedo, chegou a anunciar seu desprezo às críticas recebidas pela performance no ministério das Relações Exteriores com uma frase que disse ter lido "em algum lugar": "O opróbrio dos ímpios enaltece o homem tanto quanto o louvor dos justos". Foi descendo o tom até dizer com voz embargada que se orgulhava de seu trabalho, estava dando "a vida" pelo Brasil e tinha feito tudo por ele.

Ernesto Araújo não deu a vida pelo país nem fez tudo o que podia por ele.

Ernesto Araújo fez o que pôde para boicotar a relação entre o Brasil e a China, hoje fornecedora de nove entre dez vacinas, ou insumos para fabricação de vacinas, contra a covid-19 aplicadas aqui.

Endossou insultos perpetrados por bolsonaristas contra o país asiático — seu governo, sua cultura e seus imunizantes.

Sujeitou-se a pressões feitas pelos Estados Unidos no apagar das luzes do governo Donald Trump para que o Brasil rejeitasse a compra da vacina russa Sputinik V.

E, sobretudo, deixou de fazer o que eram seus deveres básicos como chanceler de um país latino-americano desesperadamente necessitado de vacinas: despachar os bem preparados profissionais do Itamaraty para, em sintonia com o Ministério da Saúde, conversar com as principais agências reguladoras internacionais de forma a aferir as possibilidades de aprovação das várias marcas de imunizante; procurar laboratórios farmacêuticos a fim de antecipar qual seria a disponibilidade de cada um na oferta dos produtos; fazer gestões junto à Opas para tentar facilitar a sua obtenção (a Organização Pan-Americana de Saúde é o braço para as Américas da Organização Mundial da Saúde e, até o governo Bolsonaro, era um órgão no qual o Brasil tinha participação e influência).

Ernesto Araújo não fez nada disso. No lugar, preferiu dar razão às convicções conspiratórias de seu chefe, do modo como fazem os acólitos sedentos para agradar. O estilo ajudou-o a manter-se no cargo até agora, apesar das pressões vindas inclusive dos ministros fardados do Palácio.

Acontece que, com Bolsonaro se aproximando cada vez mais da figura de um presidente decorativo, o centrão toma progressivamente as rédeas do governo. E o conhecido pragmatismo do bloco não suporta chanceleres que em vez de solução trazem problemas.

Caso o centrão consiga o que os militares do governo não conseguiram - empurrar Araújo para a porta de saída—o chanceler deixará como legado, além de uma fieira de discursos sem pé nem cabeça, uma enorme contribuição para a degradação da imagem do Brasil no exterior e uma lista de ações que, se cumpridas, poderiam ter ajudado a salvar vidas de milhares de brasileiros. Que se vá o chanceler, nem que seja levado pelas mãos dos ímpios.