Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
A gargalhada de Bolsonaro desmoraliza Nunes Marques, o STF e o Brasil
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O ministro do STF Kassio Nunes Marques está entre a cruz e a caldeirinha.
Sorteado para ser o relator da ação que pede o encaminhamento do processo de impeachment do seu colega Alexandre de Moraes no Senado, ele tem 100% de chances de se sair mal da situação, não importa o que faça.
A ação a ser relatada por Nunes Marques foi proposta pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), aquele que tem o hábito confesso de gravar os telefonemas que dá a colegas da política, incluindo o presidente da República (em seus grampos particulares, o senador diz usar o celular ou a caneta-espiã que ganhou de presente do apresentador José Luiz Datena).
Kajuru alega que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se omitiu ao não dar prosseguimento ao processo de impeachment contra Alexandre de Moraes que ele protocolou em março, junto com um abaixo-assinado contendo 2,6 milhões de assinaturas em apoio à proposta.
O pedido de Kajuru se baseia no argumento de que Alexandre de Moraes, ao determinar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), em fevereiro, feriu o artigo 53 da Constituição Federal, segundo o qual deputados e senadores "são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".
A ordem de prisão expedida por Moraes contra o deputado Silveira foi referendada pelo plenário da Corte no dia seguinte, por unanimidade.
É pouco provável, portanto, que os ministros resolvam defender agora que o presidente do Senado abra um processo de impeachment que tem como fato dominante uma decisão que eles próprios chancelaram. Isso sem falar no proverbial corporativismo da Corte, e nem no fato de, em 130 anos de existência da instituição, não haver um único caso de ministro afastado por impeachment.
Assim, caso Nunes Marques se posicione a favor do pedido do senador Kajuru, é certo que sofrerá a hostilidade de seus pares — de resto já fartos dele desde que na calada do fim de semana o magistrado decidiu promover a reabertura das igrejas e cultos, contrariando posição já declarada pelo tribunal. Os togados não perdoarão mais uma afronta do "novato", como o chamou o decano Marco Aurélio de Mello.
Se, pelo contrário, Nunes Marques se colocar contra o pedido de Kajuru, atrairá a ira de Jair Bolsonaro, seu padrinho para a indicação no cargo em que ele ficará gostosamente até os 75 anos de idade, e a quem até agora o ministro não desagradou uma única vez.
Alexandre de Moraes é, dentre todos os ministros do STF que o presidente considera seus inimigos, o mais detestado. Ganhou o título desde que, em abril do ano passado, impediu o ex-capitão de nomear o amigo Alexandre Ramagem para a diretoria da Polícia Federal. Na época, Bolsonaro chegou a mandar recados ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para que recebesse o pedido de impeachment contra Moraes protocolado por parlamentares bolsonarista, mas Alcolumbre se recusou a atender o pedido.
Ontem à noite, durante conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente Bolsonaro gargalhou ao ouvir que Nunes Marques havia sido sorteado para relatar o pedido de Kajuru pelo impeachment do ministro Moraes.
De que riu o presidente?
Acaso ele suspeita que seu desafeto não poderia ter dado azar maior do que ter seu caso relatado por Nunes Marques?
Acaso ele desconfia que o novato fará o que seu padrinho Bolsonaro quiser e não o que achar devido?
A visão instrumental do direito e a ideia de que ele existe para servir a ideologias ou grupos de poder estão longe de ser características de um único ministro do STF.
Mas, com sua gargalhada, Jair Bolsonaro escancara a desmoralização do seu afilhado, dele próprio e do país que preside, e que desgraçadamente está fadado a conviver com a presente Corte por muitas décadas ainda.
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