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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro não está morto -e isso não tem a ver só com "as ruas"

Não, oposição: 2022 NÃO será um passeio no parque - VINICIUS MORAES/ESTADÃO CONTEÚDO
Não, oposição: 2022 NÃO será um passeio no parque Imagem: VINICIUS MORAES/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

02/08/2021 12h29

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Na falta de catracas para aferir o tamanho das multidões que foram ontem às ruas em apoio a Jair Bolsonaro e ao voto impresso, restam as pós-verdades de sempre. Para bolsonaristas, as manifestações foram gigantes; para críticos do presidente, nanicas — e, para os dois lados, não se fala mais nisso.

Na verdade, o que as ruas mostraram ontem as pesquisas já haviam indicado antes. São em torno de 30% os brasileiros que apoiam a obsessão presidencial pelo voto impresso em 2022, quase um terço da população. E como também já mostraram os institutos, oscilam entre 20% e 25% os que ainda aprovam Bolsonaro e seu governo.

Os que foram ontem às manifestações enrolados em bandeiras do Brasil são em sua maioria representantes da parte desse universo de apoiadores do ex-capitão composta por moradores dos centros urbanos, de classe média e média alta, que se identificam ideologicamente com ele — no antipetismo e nas críticas ao STF, por exemplo.

A esse público Jair Bolsonaro vem dedicando suas falas mais radicais, que sobem de tom na medida em que ele rebaixa suas promessas de campanha (e aqui, não há melhor corta-luz para a rendição do presidente à política do Centrão do que o ataque a magistrados "que não querem eleições limpas").

Desse núcleo duro formado por "bolsonaristas raiz", fazem parte também eleitores evangélicos e moradores das fronteiras do agronegócio.

Em relação aos eleitores evangélicos, Bolsonaro divide a preferência com o ex-presidente Lula (ganhando do petista na vertente neopentecostal).

Entre os chamados "eleitores do agro", no entanto, o ex-capitão não deixa para ninguém.

A alta das commodities não apenas tende a fidelizar fortemente esse público como pode tracionar a popularidade do presidente para bem além das fronteiras verdes.

Em trabalho publicado no Journal of Politics, da Universidade de Chicago, os pesquisadores Daniela Campello e Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas, usaram dados empíricos para mostrar como a alta das commodities (que aumenta a receita de exportação e o investimento direto nos países produtores), juntamente com a queda da taxa de juros americanos (que tende a direcionar investimentos para os países emergentes como o Brasil), contribuem diretamente para o sucesso dos presidentes da República da América Latina.

Os pesquisadores mostraram que quanto mais alto for o Índice de Bons Tempos Econômicos (o indicador resultante das variáveis commodities + juros americanos), maior é a popularidade de um presidente e maiores são suas chances de se reeleger ou fazer um sucessor.

Para Campello e Zucco, essa conclusão leva a uma segunda: a de que, ao avaliar o desempenho econômico de um governo, o eleitor pouco diferencia o que é "mérito" ("acertos") do que é "sorte" (fatores externos como a subida das commodities, por exemplo). Ao final, é tudo contabilizado em prol do governo e do governante de ocasião.

Desde o início da pandemia, as taxas de juro americanas estão estacionadas perto do zero e o vento das commodities deverá continuar soprando em favor de Bolsonaro pelo menos até o ano que vem. Isso sem falar nas medidas de transferência de renda que ainda estão em gestação e podem carrear para o colo do ex-capitão boa parte dos 25% do eleitorado que hoje diz considerar Bolsonaro nem bom nem ruim, mas "regular" — lembrando que ao menos 20 pontos percentuais desse segmento é formada por eleitores das classes C, D e E.

Se a oposição espera que 2022 seja um passeio no parque, recomenda-se reforçar a sola do sapato.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A menção aos 25% de "indecisos" estava errada. Na verdade, o texto se referia aos 25% que avaliam o governo Bolsonaro como regular

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL