Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Bolsonaro não está morto -e isso não tem a ver só com "as ruas"
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Na falta de catracas para aferir o tamanho das multidões que foram ontem às ruas em apoio a Jair Bolsonaro e ao voto impresso, restam as pós-verdades de sempre. Para bolsonaristas, as manifestações foram gigantes; para críticos do presidente, nanicas — e, para os dois lados, não se fala mais nisso.
Na verdade, o que as ruas mostraram ontem as pesquisas já haviam indicado antes. São em torno de 30% os brasileiros que apoiam a obsessão presidencial pelo voto impresso em 2022, quase um terço da população. E como também já mostraram os institutos, oscilam entre 20% e 25% os que ainda aprovam Bolsonaro e seu governo.
Os que foram ontem às manifestações enrolados em bandeiras do Brasil são em sua maioria representantes da parte desse universo de apoiadores do ex-capitão composta por moradores dos centros urbanos, de classe média e média alta, que se identificam ideologicamente com ele — no antipetismo e nas críticas ao STF, por exemplo.
A esse público Jair Bolsonaro vem dedicando suas falas mais radicais, que sobem de tom na medida em que ele rebaixa suas promessas de campanha (e aqui, não há melhor corta-luz para a rendição do presidente à política do Centrão do que o ataque a magistrados "que não querem eleições limpas").
Desse núcleo duro formado por "bolsonaristas raiz", fazem parte também eleitores evangélicos e moradores das fronteiras do agronegócio.
Em relação aos eleitores evangélicos, Bolsonaro divide a preferência com o ex-presidente Lula (ganhando do petista na vertente neopentecostal).
Entre os chamados "eleitores do agro", no entanto, o ex-capitão não deixa para ninguém.
A alta das commodities não apenas tende a fidelizar fortemente esse público como pode tracionar a popularidade do presidente para bem além das fronteiras verdes.
Em trabalho publicado no Journal of Politics, da Universidade de Chicago, os pesquisadores Daniela Campello e Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas, usaram dados empíricos para mostrar como a alta das commodities (que aumenta a receita de exportação e o investimento direto nos países produtores), juntamente com a queda da taxa de juros americanos (que tende a direcionar investimentos para os países emergentes como o Brasil), contribuem diretamente para o sucesso dos presidentes da República da América Latina.
Os pesquisadores mostraram que quanto mais alto for o Índice de Bons Tempos Econômicos (o indicador resultante das variáveis commodities + juros americanos), maior é a popularidade de um presidente e maiores são suas chances de se reeleger ou fazer um sucessor.
Para Campello e Zucco, essa conclusão leva a uma segunda: a de que, ao avaliar o desempenho econômico de um governo, o eleitor pouco diferencia o que é "mérito" ("acertos") do que é "sorte" (fatores externos como a subida das commodities, por exemplo). Ao final, é tudo contabilizado em prol do governo e do governante de ocasião.
Desde o início da pandemia, as taxas de juro americanas estão estacionadas perto do zero e o vento das commodities deverá continuar soprando em favor de Bolsonaro pelo menos até o ano que vem. Isso sem falar nas medidas de transferência de renda que ainda estão em gestação e podem carrear para o colo do ex-capitão boa parte dos 25% do eleitorado que hoje diz considerar Bolsonaro nem bom nem ruim, mas "regular" — lembrando que ao menos 20 pontos percentuais desse segmento é formada por eleitores das classes C, D e E.
Se a oposição espera que 2022 seja um passeio no parque, recomenda-se reforçar a sola do sapato.
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