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'Eu já maldisse Deus: por que o Senhor me deu um filho que não fala?'
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Esta é parte da versão online da edição de segunda-feira (4) da newsletter de Thaís Oyama.
Elisângela Oliveira descobriu que seu único filho, Paulo, era autista quando ele, pequeno, de repente parou de falar. Nesta newsletter, ela conta do choque diante do diagnóstico, fala dos "métodos" que criou para tirar o menino "do seu mundo" e diz que já maldisse Deus por ter lhe dado um filho que não é capaz de falar nem de abraçá-la. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.
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"Disse ao meu marido: o médico falou que nosso filho é doido"
"Eu tive uma gravidez maravilhosa, sem enjoos nem incômodo nenhum. O Paulo era um bebezinho lindo, vermelhinho, do cabelo bem liso. Adorava a música da Galinha Pintadinha e batia palma quando a ouvia. A gente cantava: "O sapo não lava o ..." E ele completava: "Pé!". Também falava "mamãe" e "papai".
Ele falava!
A única coisa que chamava a nossa atenção é que quando ele começou a engatinhar, batia a cabeça na parede. E gostava de girar sem parar a roda dos carrinhos de brinquedo. Mas o pai dele, que é cabo do Exército e mexia com tanque de guerra, brincava: "Esse menino vai puxar pra mim".
Aí, quando ele ia completar um aninho, ai Deus... Começou a fazer tudo de joelhos. Corria de joelhos, pulava de joelhos, tudo de joelhos. Levei a três médicos (...)
O terceiro disse:
-Olha, fiz todo tipo de exame no seu filho e, pelo diagnóstico, ele é um autista leve.
Do jeito que eu tinha visto os filhos das duas mulheres na sala de espera, fiquei alterada.
- O senhor está dizendo que o meu filho tem problema?
Comecei a chorar, perdi o chão, perdi tudo. O Paulo tinha quase três anos.
Chegando em casa, falei pro meu marido: "O médico está dizendo que nosso filho é doente, que ele é doido. Disse para a gente ir para a Apae".
Chorei a noite toda e no dia seguinte, fui para a Apae. Justamente naquele dia eles estavam comemorando o dia mundial do autismo.
Quando eu desci do ônibus... minha filha, vou te contar. Nunca vou esquecer: no meio daquela fanfarra, daqueles cartazes, tinha autista na cadeira de rodas, uns babando. Tinha também os que não aparentavam nada, mas na hora eu só via os autistas severos.
Travei no meio da rua. Chorava, chorava, chorava. Era como se alguém estivesse me dizendo: "Bem-vinda a este mundo". Uma assistente social me viu, me abraçou, me levou pra dentro e começou a me explicar o que era aquela doença, como ela variava (...)
"Resolvi que iria arrancar o meu filho do mundo dele para o meu mundo"
No começo, quase fiquei louca, porque me falavam tantas coisas. Mas eu li, estudei e me agarrei na fé, acreditava que meu menino ia ser normal. Resolvi que iria arrancar ele do mundo dele para o meu mundo.
Foi depois que eu perguntei para um médico:
- Doutor, como é que ninguém antes ouvia falar nessa história de autista e agora todo mundo é autista?
- É que antigamente as mães tinham dez, 12 filhos e a vida era na roça. Se tinha aquela criança lerda, como a avó dizia, o irmão mais velho puxava ela e aos poucos ela ia se desenvolvendo.
Eu abracei isso que ele falou:
- Ah, é? Então vou começar a criar meu filho que nem minha avó criou. Vou socar o pau.
Ensinei o Paulo a parar de se incomodar com barulho. Trancava ele e eu no banheiro, ligava o som e me acabava de cantar e bater palma. Quando ele punha a mão no ouvido, aí é que eu cantava mais alto. Eu vou à igreja, lá tem barulho, ele tinha que se acostumar (...)
"Deus, por que o senhor não me deu um filho perfeito?"
A maioria das mães que frequenta a associação para autistas é sozinha. Os maridos não aceitam. Abandonam, não aguentam. E como é que uma mãe vai abandonar um filho?
É que eu tinha Deus, mas às vezes dá vontade de se matar, dá vontade de dar a criança, dá vontade de tudo. E tem a culpa. Eu pensava: "Será que foi porque lá atrás eu fumei? Será que é porque eu fazia sexo na gravidez?" Isso acaba com a gente.
Todo mundo acha que eu sou de ferro, porque estou sempre rindo. Minha prima fala: "Não tinha pessoa melhor que você pra Deus dar uma criança como o Paulo". Acha que está me elogiando.
Só eu sei o que eu sinto quando estou sozinha de madrugada. Já maldisse Deus: "Deus, por que o senhor me deu um filho desse jeito? Por que o senhor não me deu um filho perfeito, pra eu conversar com ele, pra eu ouvir a voz dele? Por que o senhor me deu um filho que não fala?"
Ai, fia, quando é Dia das Mães.... Pro Paulinho, nada tem significado. Já são oito anos, você vai acostumando, mas eu tenho sobrinhos, vejo como é. Tenho vontade de ouvir "feliz dia das mães'. Queria que ele me abraçasse, me beijasse. Que me trouxesse um presente que ele fez: "Olha, mãe, o que eu fiz pra senhora. Não ficou lindo o meu desenho?"
Meu aniversário vai ser domingo que vem. Eu queria que ele viesse correndo, dissesse que me ama e me desse um abraço. Eu não tenho isso. Mas são coisas que você joga numa caixa e tranca. Porque causam dor, você não gosta de falar. Do mesmo jeito que ele não gosta de olhar nos olhos, você não gosta de falar, porque dói (...)
Quando o Paulo nasceu, a prima do meu marido disse que ia se casar e chamar ele pra ser pajem. Nossa, é o meu sonho! Acho uma coisa linda, vejo o meu filho entrando de terno na igreja, na frente da noiva, todo mundo paparicando. Mãe quer isso, né? Aí, quando veio o diagnóstico de autismo, a prima cancelou o convite. Isso até hoje me dói tanto. Mas tem uma irmã lá na igreja que falou que vai se casar. Eu tomei a liberdade:
- Kelly, se você casar, você chama o meu filho pra ser pajem? Nunca ninguém chamou.
Ela perguntou:
- Será que ele dá conta?
Eu garanti:
-Se ensinar, ele dá conta, sim.
Ela falou que vai chamar (...)
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