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Em um dia, cartão de Bolsonaro pagou sete refeições por agente de segurança
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Um dia de trabalho na segurança do então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi sinônimo de barriga (muito) cheia para militares e agentes locais convocados para atuar em uma visita que ele fez a Boa Vista (RR).
Em 26 de outubro de 2021, o cartão corporativo da Presidência comprou 2.964 kits-alimentação para 474 pessoas, o número de pessoas oficialmente destacadas para atuar no entorno do então presidente. A visita durou apenas oito horas.
Se os kits tivessem sido divididos igualmente, é como se cada um dos envolvidos com a segurança do presidente tivesse recebido um lanche a cada uma hora e 20 minutos. Uma média de seis kits por pessoa, fora o almoço - uma marmita também foi servida a cada envolvido.
Em outras palavras, é como se, naquele dia, cada policial, militar ou agente de segurança tivesse ingerido:
- 12 sanduíches recheados com frios
- 7 latas de refrigerante
- 7 garrafinhas de água
- 6 barras de cereal
- 6 maçãs
Além da marmita de almoço.
O gasto de R$ 109.266,00 no restaurante Sabor de Casa, o fornecedor dos lanches e das marmitas na data da visita presidencial, é a maior despesa única com alimentação registrada em um cartão da Presidência durante mandato de Jair Bolsonaro (2019-2022), conforme a coluna já havia mostrado em janeiro deste ano.
O que não se sabia até agora é que os responsáveis pela despesa sustentaram em documentos e respostas oficiais ter havido uma distribuição de alimentos, às custas da Presidência da República, para um contingente de menos de 500 agentes de segurança.
Na última quarta (5), o UOL mostrou que durante a campanha eleitoral de 2022, Bolsonaro distribuiu 21,4 mil lanches em viagens pelo país, pagos com o cartão corporativo. A prática não era exclusiva do período de eleições.
Visita a Roraima
Na visita à capital de Roraima, Bolsonaro desembarcou na cidade por volta de 9h40, visitou um abrigo para imigrantes venezuelanos e uma aldeia indígena, almoçou com o comando do Exército na região e participou de um culto de comemoração pelo aniversário da Igreja Assembleia de Deus. Ele voltou a Brasília no fim da tarde.
Desde quando veio à tona o volume de kits encomendados a um modesto restaurante de Boa Vista, o UOL vinha perguntando a representantes da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, responsável por receber os itens na manhã da visita, o que teria sido feito com tanta comida - se alguma sobra foi armazenada, se parte havia sido distribuída a civis ou mesmo a militares que não atuaram na visita do então presidente.
"Os alimentos foram distribuídos imediatamente após o recebimento, não ocorrendo armazenamento, a todas as agências envolvidas no aparato de segurança da comitiva da visita presidencial ao estado de Roraima", informou o atual comando da Brigada, em nota oficial.
O texto listou cada um dos órgãos cujos integrantes alimentaram-se graças aos kits ofertados pelo governo federal. Nas últimas semanas a reportagem procurou cada um deles, solicitando informações sobre o número de agentes que se envolveram na agenda presidencial e quem recebeu lanche.
O que respondeu cada órgão:
Polícia Federal: 8 policiais consumiram kits alimentação
Polícia Rodoviária Federal (PRF): 37 agentes participaram da escolta, mas "sem registro de fornecimento de alimentação pelo GSI", porque "todos os servidores fazem jus a auxílio-alimentação".
Corpo de Bombeiros: 11 bombeiros tiveram atuação em caráter "preventivo", recebendo alimentação fornecida pelas Forças Armadas
Polícia Civil: 20 policiais que "tiveram direito a água, refrigerante, café da manhã e almoço oferecidos pelo governo federal".
Polícia Militar: "em média 100 policiais receberam marmitas e lanches".
Departamento de Trânsito de Roraima: 16 agentes utilizados durante a visita
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): 3 socorristas acompanharam a visita
Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Trânsito: 20 agentes de trânsito e 8 guardas municipais "tiveram lanche e almoço pagos pelo governo"
Exército Brasileiro: "296 militares estiveram envolvidos neste trabalho e receberam alimentação"
Casa Militar e Força Nacional de Segurança: mesmo citadas pela 1ª Brigada, informaram não terem atuado na comitiva presidencial, tampouco terem recebido lanche
Total de envolvidos com a segurança na visita, que receberam kits alimentação: 474 agentes.
Documento oficial
Nos últimos meses a agência de dados especializada no acesso a informações públicas, Fiquem Sabendo, vem vasculhando notas fiscais e os relatórios com justificativa de despesas com cartão corporativo do governo Bolsonaro, em colaboração com veículos diversos, entre eles o UOL.
Um relatório de duas páginas assinado pelo então coordenador de segurança de área, o tenente-coronel Luis Antonio de Almeida Jr., na época à frente do Comando de Fronteira Roraima, relatou haver 431 agentes envolvidos no aparato de segurança presidencial, um número menor que os 474 somados na apuração desta reportagem.
A coluna perguntou ao tenente-coronel porque foram solicitados sete lanches (seis kits e marmita) para cada um dos colaboradores do aparato de segurança presidencial.
Almeida Jr. informou que os esclarecimentos seriam prestados pela 1ª Brigada de Infantaria de Selva.
A resposta veio do Comando do Exército, em Brasília:
"O planejamento foi baseado na proposta de cronograma do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que previa uma vista ao Vale do Rio Cotingo - Normandia-RR, o que acabou não ocorrendo no dia da execução. Tais alterações de planejamento fogem à previsibilidade do Coordenador de Segurança de Área".
De acordo com a corporação, alguns dos militares que se participariam da visita não se encontraram com o presidente. E para todos teria sido prevista "alimentação completa", desde o café da manhã até o jantar.
"O planejamento logístico para esse tipo de atividade é realizado com a devida antecedência, prevendo o emprego de todo o pessoal necessário para o cumprimento das tarefas de segurança e apoio", completou.
Registros fotográficos divulgados pela própria Presidência mostram que embora não tenha descido no Vale do Rio Cotingo por 15 minutos para uma visita, como estava previsto, Bolsonaro manteve o sobrevoo na região e adicionou um compromisso extra à agenda: a visita a uma comunidade indígena na região, que segundo o presidente seria defensora de projeto hidrelétrico no rio.
Para além da troca na agenda, a resposta do Exército também não explica a razão da disponibilidade de sete refeições por um dia aos representantes de outros órgãos que atuariam apenas na capital Boa Vista, explicitada no relatório de viagem assinado pelo militar à frente do Comando de Fronteira Roraima.
Perguntado novamente sobre o tema, o Exército disse que não tinha mais esclarecimentos a prestar.
* Colaborou Camila Turtelli, do UOL.
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