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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Só intervenção não basta: já tarda demissão de José Múcio, chefe da Defesa

Colunista do UOL

09/01/2023 17h23Atualizada em 09/01/2023 22h07

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1. Acampamentos: células subversivas

Lula assumiu o governo com um grande, bem fornido e populoso acampamento na porta do quartel-general do Exército, dentro de área considerada de segurança nacional, por força de lei.

Outros acampamentos também existiam. Eram localizados em diferentes unidades federativas. Por exemplo, ainda ao tempo de Bolsonaro e no acampamento de Fortaleza, o general comandante, em entrevista, sustentou não ser caso de desmonte, pois em jogo a liberdade de reunião e expressão dos acampados.

Como bem sabia o novo presidente, o acampamento de Brasília era o principal símbolo vivo do bolsonarismo golpista, identitário. Os acampamentos compõem simbólicos mosaicos golpistas, todos com participantes em flagrante ofensa ao Código Penal.

Alias, Código Penal com novos dispositivos protetores do Estado Democrático. Chegaram em substituição aos crimes tipificados na antiga e revogada Lei de Segurança Nacional.

Quanto ao acampamento da porta do QG do Exército, representava viva célula eversiva, ou seja, uma organização delinquencial pronta para os seus financiados membros entrarem em ação. Ontem, contaram com apoiadores chegados em vários ônibus e usados como massa de manobra.

Sem pulso, o presidente Lula arbitrou o primeiro dissenso entre os ministros da Defesa, José Múcio, e o da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.

Múcio, que confessou possuir parentes em acampamentos bolsonaristas, entendia as manifestações democráticas, garantidas constitucionalmente pela liberdade de reunião e livre manifestação do pensamento.

Por seu turno, Dino entendia o contrário. Na sua correta visão, tínhamos crimes continuados, ou de feitos permanentes, contra o Estado Democrático. Situações de flagrantes delinquenciais, a autorizar prisões.

Lula resolveu o dissenso dando razão ao ministro da Defesa. E o recém-empossado comandante do Exército, que havia se manifestado pelo fim dos acampamentos em portas de quartéis, adotou a prudente postura de aguardar ordens.

Afinal, o presidente da República, comandante maior das Forças, e o seu ministro da Defesa, - agente da autoridade presidencial -, tinham, ambos, tomado posição de não proibir os acampamentos.

Resumo: deu no que deu, ou melhor, nos atos terroristas consumados. E os cidadãos brasileiros democráticos assistiram à consumação de crimes diversos, como, por exemplo, contra o Estado Democrático de Direito, contra a paz pública e delito de dano ao patrimônio público.

O mais grave, um terrorismo à brasileira. Com destruição festiva e a contar com conivências.

No momento, espera-se haver Lula percebido necessitar agir com pulso firme.

Juridicamente, era mesmo de rigor a intervenção federal para colocar fim ao "grave comprometimento da ordem pública". Lula prevaricaria se não tivesse decretado a intervenção federal na segurança pública no governo do Distrito Federal.

Mas, só intervenção não basta. Já tarda a demissão e substituição de José Múcio, aquele que deu, com a sua visão canhestra, míope e covarde, musculatura aos terroristas.

8.jan.2023 - Invasão de golpistas em Brasília - Reuters - Reuters
8.jan.2023 - Invasão de golpistas em Brasília
Imagem: Reuters

2. Cadê a Abin e a inteligência das Forças Armadas?

O governo brasileiro, desde 1927, conta com serviço de inteligência.

A necessidade de informações foi percebida pelo então presidente Washington Luís. Então e pelo decreto número 17.999, ele criou tais serviços, no interesse do Estado nacional.

Nas ditaduras Vargas e militar, tivemos um desvirtuamento. Vargas implantou, com o violento Filinto Muller à frente, a polícia política e a inteligência dava suporte informativo.

Quanto à ditadura militar iniciada com o golpe de 1964, a inteligência passou a funcionar com o designativo de SNI (Serviço Nacional de Informações). A meta era a busca de informações sobre os contestadores do regime de exceção, ditatorial. Funcionava na coleta de informações ideológicas e elegia os inimigos da ditadura e muitos foram torturados.

No governo Fernando Henrique Cardoso, surgiu o SBI (Sistema Brasileiro de Inteligência), todo voltado à proteção ao Estado Democrático. E seu órgão central, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), passou a selecionar os seus agentes por concurso público. Mais ainda, o Senado tem poderes para fiscalizar a Abin.

Também sabia o presidente Lula ter Jair Bolsonaro, com ilegítima e ilegal intromissão dos seus filhos parlamentares, feito da Abin reduto para captação de informações do interesse pessoal e familiar.

Portanto, e sem tempo para reconduzir a Abin aos trilhos, Lula não podia contar com informações sobre o plano terrorista que estava em andamento. Pelo jeito, nenhum "araponga" da Abin foi infiltrado no acampamento de Brasília.

As três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) contam com núcleos de inteligência. E todo militar sabe do ensinamento do general chinês Sun Tzu, autor da obra intitulada A Arte da Guerra, escrita por volta do ano 500 a.C..

Para Sun Tzu, são as informações que permitem a um soberano "obter dados fora do alcance dos comuns mortais".

Pelo que se percebe, as Forças Armadas nem desconfiavam dos atos terroristas executados ontem, culminados com a invasão e danificação das sedes dos três Poderes da República.

3. Habemus Moraes

O ministro Alexandre de Moraes, provocado por petições da AGU (Advocacia Geral da União) e a assinada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), determinou, com apoio na Constituição e no Código de Processo Penal, uma série de medidas indispensáveis e garantidoras da democracia.

Por medida cautelar não detentiva, houve o afastamento temporário do governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal. Dispensável, por saltar aos olhos, relatar a sua incúria e a corresponsabilidade criminal, administrativa, civil (danos ao patrimônio público) e política, esta geradora de impeachment.

Dois princípios autorizavam a medida acautelatória imposta por Moraes ao governado do DF: necessidade e adequação. Como motivou o ministro Moraes, havia necessidade e a omissão do governador aparentava haver sido dolosa (intencional).

Explicou Moraes não ter tocado na imposição da prisão cautelar de Ibaneis por não haver sido pedida em nenhuma das petições. Decidiu, então, adequado o afastamento temporário.

A liminar de Moraes, pelo novo Regimento do STF, será rapidamente levada a referendo pelo plenário da Corte. Zero de chance de ser alterada pela maioria dos ministros.

Caso necessário, o afastamento poderá ser prorrogado. Na hipótese de aparecimento de prova de conivência com o terror, a prisão cautelar, temporária ou preventiva, poderá ser imposta a Ibaneis.

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança do governo Bolsonaro, na hipótese de prisão cautelar, poderá ser extraditado a pedido do governo brasileiro, pois ele se encontra nos EUA.

Outro ponto diz respeito à expulsão de Bolsonaro, algo diverso da extradição. A expulsão do território dos EUA do ex-presidente foi cogitada por dois deputados norte-americanos.

Referidos deputados prometeram acionar o Departamento de Justiça e o presidente Joe Biden. Biden reprovou o acontecido em Brasília e deixou claro considerar terroristas as ações.

Mas, com relação a Bolsonaro não existe, à luz da Justiça brasileira, culpa formada, constituída.

Enfim, o crime de terrorismo é da atribuição apuratória da nossa Polícia Federal. Se houver conexão probatória com averiguado portador de foro privilegiado, o procurador Augusto Aras será acionado.

Pelas suas posturas filobolsonaristas, poderá voltar a atrapalhar, salvo se receber, como previsto na Constituição, um cartão vermelho do Senado. Só o Senado, segundo previsto na Constituição, poderá interromper o seu mandato de procurador-geral.

5. Sem pizza e com CPI

Os atos terroristas de ontem calaram fundo na consciência da grande maioria dos cidadãos brasileiros. Não há qualquer possibilidade de tudo acabar em pizza.

As ações terroristas em Brasília, num crescer desde a diplomação do presidente Lula, fizeram lembrar os ataques terroristas acontecidos em Madrid (2004) e Londres (2005). Felizmente, não tivemos mortes por aqui.

Para os que têm dúvidas e apenas falam em vandalismo, convém recordar o saudoso Walter Laquer, considerado em vida o maior conhecedor do fenômeno terrorista. Para Laquer, "terrorismo é o emprego ou a ameaça de emprego de violência para um fim político".

Os terroristas bolsonaristas querem o fim da democracia, com a derrubada ilegítima do presidente Lula, legitimamente eleito. Mostram desrespeito à Constituição e querem a volta de Bolsonaro, como presidente-ditador. Fizeram uso político da violência, ou seja, são terroristas.

Em bom momento, o senador Humberto Costa (PT-PE) está propondo a instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar os atos antidemocráticos e as ações de matriz terrorista. Lógico, buscar identificar, também, os financiadores do terror, os interessados em rasgar a Constituição.

Bolsonaro é o responsável por incentivar e difundir ações golpistas e terroristas. Plantou um álibi e postou em redes sociais declarações de ocasião a reprovar a violência. Bolsonaro, na verdade, personifica, torna viva, a violência.