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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro é candidato a réu por abrir porteiras para genocídio yanomami

11.abr.2022 - Yanomami acompanha agentes do Ibama em ação contra garimpo ilegal na Amazônia - REUTERS/Bruno Kelly
11.abr.2022 - Yanomami acompanha agentes do Ibama em ação contra garimpo ilegal na Amazônia Imagem: REUTERS/Bruno Kelly

Colunista do UOL

25/01/2023 13h23

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O termo genocídio foi criado pelo jurista e humanista polaco Raphael Lemkin, de origem hebreia.

Por dominar mais de dez línguas, Lemkin juntou a palavra grega yévoc à latina cidio. E a final latina é bem conhecida no Brasil, como homicídio e feminicídio.

O vocábulo grego significa etnia, raça, família. Passa a ideia de grupo protegido pelo direito natural. Pode, como alertou o próprio Lemkin, englobar até uma nação quando o objetivo é destruir todos as pessoas: os nacionais. Quanto ao latino "cídio" quer dizer assassinato.

A junção aponta para o extermínio, para a destruição intencional, ativa ou omissiva, odiosa, a grupos específicos ou contra o povo de uma nação. Lemkin colocou o termo genocídio no seu livro Axis Rule Occupied Europe, publicado em 1944.

Quando da criação do Tribunal de Nuremberg (Tribunal Penal Militar), para os crimes do nazismo, adotou-se o conceito de Lemkin como elemento tipificador do crime de genocídio.

Em 1946, no processo contra o militar alemão Hermann Goring, ex-primeiro ministro prussiano e líder nazista do Partido Nacional Socialista, ocorreu a condenação por genocídio, a vitimar o povo judeu, hebreu.

Convém recordar que os nazistas focaram nos judeus. Mas, também, eliminaram, dentro do absurdo conceito de superioridade racial, negros, ciganos, homossexuais, comunistas e religiosos.

A luta de Lemkin não parou na contribuição pós-Segunda Guerra e com as cortes de Nuremberg e Tóquio. Logrou ele envolver o direito internacional e o genocídio foi reconhecido como crime internacional.

No Brasil, e como vem sendo noticiado e mostrado, parte do povo yanomami foi vítima de genocídio. No particular, o ministro da Justiça, Flávio Dino, bem caracterizou os fatos acontecidos em Roraima como genocídio yanomami.

Na ONU, em dezembro de 1948, restou aprovada a Convenção sobre Prevenção e Punição dos Crimes de Genocídio. E houve participação fundamental de Lemkin, aliás, dez vezes indicado para o Nobel da Paz.

Como estabeleceu a essa convenção, subscrita pelo Brasil, o genocídio pode ser consumado em tempo de paz ou de guerra. Sem perder de vista as mortes em terra yanomami e à luz do direito internacional e da lei brasileira 2889, de outubro de 1956 (governo Juscelino Kubitschek), a responsabilização criminal pode recair no próprio Estado, também por omissão e dolo eventual do governante e ministros.

Vários governos de presidentes brasileiros descuidaram do trato do povo yanomami. Uma vergonha. Mas, e sob a ótica jurídica, o genocídio contra a etnia yanomami consumou-se no governo Bolsonaro.

Pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram abertas as porteiras para a selvageria ambiental e as desumanidades. Bolsonaro incentivou o garimpo e, seguindo os passos do chefe, o seu ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, baixou ato administrativo, de discutível legalidade, a autorizar garimpos.

O garimpo ilegal em terras yanomami despejou mercúrio em abundância. Contaminou os rios e, ato contínuo, as águas bebidas pelas crianças e adultos yanomamis. Peixes morreram, a pesca e a alimentação ficaram prejudicadas.

Os garimpeiros, invasores e desmatadores trouxeram e difundiram as doenças. Os desmatamentos afugentaram os animais caçados para alimentação. Aportou a desnutrição. Médicos e remédios pararam de chegar à área indígena. E até um posto de saúde foi incendiado pelos invasores.

Num trágico resumo, as porteiras foram abertas pelo governo em reunião ministerial, presente Bolsonaro e o estrategista do mal Ricardo Salles. Partiu daí, o inicial sinal verde para os crimes de genocídios contra os yanomamis.

Volto ao direito internacional e à Convenção das Nações Unidas, de dezembro de 1948. Ela enumera, no seu segundo artigo, as condutas a tipificar os crimes de genocídio, com intenção de destruir um grupo nacional, étnico, social ou religioso.

Abro parêntese, os yanomamis representam uma etnia indígena. E a intenção de destruir está bem caracterizada, com a conduta condescendente do governo Bolsonaro. O presente dolo eventual, aquele onde se assume o risco do resultado, salta aos olhos.

Prossigo na enumeração de algumas outras condutas anunciadas pelo segundo artigo da Convenção da ONU e que calçam como luva ao casos dos yanomamis:

  • "atentado grave à integridade física ou mental de membros do grupo";
  • "submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial".

Os países subscritores da Convenção da ONU, e o Brasil foi um deles, cuidaram de editar as suas leis.

Todas praticamente copiaram a convenção, na tipificação dos crimes. Em especial o seu artigo terceiro: "serão punidos os crimes de genocídio, acordos para o seu conhecimento, o incitamento direto, a cumplicidade ao genocídio".

O previsto na convenção foi usado por dois tribunais internacionais, nos genocídios na ex-Iugoslávia e Ruanda.

Pela Convenção de Roma, de julho de 1998, foi criado um permanente Tribunal Penal Internacional (TPI). Ficaram fora da sua jurisdição apenas EUA, China, Índia, Israel, Filipinas, Turquia e Sri Lanka.

O TPI tem competência para processar e julgar os crimes de genocídio, de guerra, contra humanidade e de agressões internacionais.

A tragédia dos yanomamis comove internacionalmente. E, não tenham dúvidas, o Ministério Público junto ao TPI não ficará de braços cruzados diante dos crimes de genocídios consumados em Roraima.