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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o tribunal de Haia prenderá Putin? O que diz o direito internacional

Vladimir Putin, presidente da Rússia - Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via REUTERS
Vladimir Putin, presidente da Rússia Imagem: Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via REUTERS

Colunista do UOL

18/03/2023 17h17

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1-) Um cenário de incertezas
A decretação da prisão cautelar do presidente russo Vladimir Putin pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) acontece num momento de muitas especulações.

É que o presidente Xi Jiping —recém-reeleito para um terceiro mandato na China— chegará na segunda-feira (20) a Moscou para se encontrar com Putin.

Para alguns especialistas, o presidente chinês irá forçar Putin a adotar um cessar-fogo na Ucrânia e iniciar conversações de paz balizadas nos 12 pontos sugeridos pelo governo da China, logo após o encerramento da conferência sobre segurança internacional de Munique.

Xi Jiping estaria com a faca e o queijo nas mãos na visão de analistas internacionais e estudiosos do direito público internacional.

Foi a China que passou a comprar da Rússia o petróleo bloqueado na Europa. Salvou a economia russa.

E a China trabalha na reativação da "Belt and Road", já chamada de "Rota da Seda", de interesse geopolítico e geoeconômico da Rússia: um dos ramais passa pelo Leste Europeu, área de antigo domínio soviético. A rota marítima é integrada pela Crimeia, sob domínio russo.

A atual fragilidade econômica russa, pelos bloqueios ocidentais impostos, coloca Xi Jipingem condições de pressionar Putin, chamado, quando do encontro de setembro no Uzbequistão, de "amigo do coração".

Mais ainda, 20 dias antes do início da invasão russa da Ucrânia, o presidente chinês falou da "colaboração sem limites entre China e Rússia". Claro estar Xi Jiping em vantagem política e econômica na visita da próxima semana a Moscou.

Se o cidadão comum russo, apesar dos bloqueios econômicos, não sentiu mudanças na economia, Putin deve muito à China. E Putin sabe que todo autocrata não se sustenta quando a população empobrece e passa necessidades básicas.

Fora isso tudo, Xi Jiping tem interesse de passar para a História como o grande pacificador, quando se poderia mergulhar em uma Terceira Guerra Mundial.

Especialistas europeus em direito internacional público, corretamente denominado direito das gentes, apontam para um nó a ser desatado quanto aos 12 pontos.

A China fala em soberania, na integridade territorial e na vedação ao uso de armas nucleares. Como Putin sairá dessa? Ele violou soberania e o território ucraniano e diz poder cogitar sobre o emprego de armas nucleares.

Melhor explicando. Ao invadir a Ucrânia, segundo previsto na Carta das Nações Unidas e consoante recente decisão majoritária dos seus estados-membros, a Rússia violou a soberania e ofendeu a integridade territorial da Ucrânia.

Como Putin vai se safar, frisam os dedicados aos estudos do natural direito das gentes, se o seu discurso de invasão legítima para combater o "nazismo" na Ucrânia é considerado risível e não tem sustentação jurídico-internacional?

Enquanto uns projetam o encontro em Moscou como um caminho para a paz, outros, especializados em geopolítica e geoestratégia, apostam as fichas num apoio chinês a Putin em face da expansão ocidental —com ingresso de países na Otan e cooptação da União Europeia pelo presidente dos EUA, Joe Biden, nesse confronto (não falam em invasão e nem em agressão).

Estão aí expostas as duas especulações de momento. A lembrar que o presidente chinês não deu nenhuma pista sobre como se posicionará nos encontros com Putin em Moscou.

2-) TPI e o mandado de prisão
Não precisa ser conhecedor do direito internacional para saber que ordens de prisão do TPI contra autocratas ou ditadores só se materializam quando eles se tornam "ex-chefes" de Estado e os exércitos não mais lhes dão guarida.

A entrega ao TPI do sanguinário Slobodan Milosevic, iniciador da guerra de conquista e implantação da "Grande Sérvia", mostrou o elemento fraqueza política como fundamental ao cumprimento de mandado internacional de prisão. Milosevic foi entregue ao TPI e morreu em cárcere no aguardo de julgamento.

Quando da criação do TPI, a Rússia foi subscritora do Tratado de Roma de julho de 1998. Portanto, aceitou a jurisdição internacional da Corte criminal.

A Rússia aceitou o TPI e sem objeções sobre a sua especificada competência: (1) crimes de genocídio, (2) crimes de guerra; (3) determinados crimes contra a humanidade, (4) crime de agressão internacional.

Com a invasão da Ucrânia e a violação de direitos humanos pelas tropas russas, com ataques a civis, hospitais, maternidades e escolas, ficou clara a atribuição do MPI (Ministério Público Internacional) junto ao TPI e a competência deste.

Coube ao MPI a provocação do TPI e veio a decretação da prisão cautelar. Tudo nos conformes.

A Rússia, depois da invasão da Ucrânia, oficiou o TPI a informar não mais aceitar a sua jurisdição internacional.

A lembrar: quando da aceitação do TPI, apenas ficaram de fora —por expressa não-aceitação da jurisdição internacional— China, Estados Unidos, Índia, Filipinas, Israel, Turquia e Sri Lanka.

O TPI desconsiderou a informação da Rússia e a prisão cautelar de Putin foi imposta. No momento, está pacificado o entendimento de não caber recurso contra decisão do TPI ao Conselho de Segurança da ONU.

Ninguém na Rússia irá prender Putin enquanto ele se mantiver no poder.

Nenhuma força armada internacional será formada para invadir a Rússia e cumprir o mandado de prisão expedido pelo TPI. Nem o Mossad, da famosa operação Entebe, ousaria, a lembrar que o premiê israelense e Putin estão em absoluta sintonia. Outro ponto, apenas para argumentar, os EUA não assinaram o Tratado de Roma, assim não lhe diz respeito o TPI.

3-) A história e a saída opting out
O TPI foi fruto de uma evolução do direito internacional.

Depois da Segunda Guerra, foram formados dois tribunais militares para julgar os nazistas alemães, fascistas italianos e conquistadores japoneses --um foi em Nuremberg e outro em Tóquio.

Tais soluções precisavam ser melhoradas e chamadas as nações para deliberar sobre um permanente tribunal criminal, civil internacional. A criação do TPI foi aprovada por 120 votos e apenas sete países foram contrários (EUA, China, Filipinas, Índia, Israel, Turquia e Sri Lanka).

O TPI é composto por 18 magistrados eleitos com mandato de nove anos. Os juízes selecionados representam todos os principais sistemas jurídicos.

No Tratado de Roma, colocou-se uma válvula de escape. Pela cláusula "opting out" —e com relação a crimes de guerra—, os estados firmatários poderão suspender a jurisdição por um período de sete anos.

A Rússia não invocou a cláusula "opting out". Apenas participou a renúncia, algo não estabelecido no tratado. E a prisão decorre de crimes contra a humanidade: a cláusula aplica-se a crimes de guerra.

4-) Pano rápido
A imposição da prisão de Putin, com desconsideração ao ofício russo sobre o não mais reconhecimento do TPI, enfraquece Putin.

É uma decisão de forte valor simbólico na véspera da visita do presidente chinês a Moscou.