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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Populista Berlusconi não fará falta à Itália: o ocaso de um líder

Colunista do UOL

12/06/2023 17h07

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Num Brasil de italianidade marcante, com infinitos sobrenomes italianos, cidadanias duplas e tendo São Paulo como a maior cidade italiana fora da Itália, a morte natural de Silvio Berlusconi, quatro vezes primeiro-ministro, não passa batida.

Depois de Mussolini, o 'cavaliere', como era chamado Berlusconi em razão de título oficial de cavaliere del lavoro (cavaleiro do trabalho), foi, na opinião deste colunista, o introdutor do novo populismo peninsular italiano.

Donald Trump tem muito dele, com exceção da elegância no trajar. Ambos são inconvenientes e amigos de Putin.

Todo ano e por ocasião dos natalícios, Berlusconi recebia caixas de vodka russa e enviava para o Kremlin espumante bresciano. Quando desejava ser mais sabujo, mandava as napolitanas gravatas Marinella, consideradas as mais famosas e belas do mundo da moda.

O consagrado Norberto Bobbio, filósofo, pensador e autor de conhecido Dicionário de Política, não deixou de trombar, aos 90 anos, com Berlusconi.

A sua obra intitulada "Contra os novos despotismos" tem o seguinte subtítulo: "Escritos sobre Berlusconi". Best-seller na Europa, essa obra de Bobbio foi publicada no Brasil pela editora Unesp.

De cantor de cruzeiros a homem mais rico da Itália

Berlusconi começou a sua vida profissional como cantor em navios de cruzeiros. Soltava a voz pelo Mediterrâneo.

Atenção: ele usava o romantismo das cançonetas napolitanas para compensar a falta de recursos vocais. Aproveitava o ambiente para encantar as mulheres.

Como me disse certa vez a mãe do proprietário do hotel romano que frequento, Ducca d'Alba, uma senhora de mais de 80 anos, "lui era un donnaiolo" (ele, Berlusconi, era um mulherengo).

De cantor de cruzeiros — com o guitarrista Mariano Apicella a fazer os acompanhamentos —, Berlusconi tornou-se o homem mais rico da Itália. Conquistou poder econômico, financeiro e político.

Ele conseguiu ser, também, o Roberto Marinho italiano, com as suas emissoras Mediaset e televisão La 7 a concorrer com a rádio e televisão estatal, a conhecida RAI.

Não bastasse, Berlusconi controlava o mercado editorial, com jornais e revistas. Por muito dinheiro, adquiriu a editora Mondadori, entre as maiores da Europa.

Muitos o consideram um "self made", no sentido de ter crescido por si próprio. Não foi bem assim. Restou ajudado e recebeu inúmeras acusações de cometimento de crimes financeiros e de promoção de falsos balanços para driblar os tributos. Fora isso, e como colocarei abaixo, confundiu muito o público com o privado.

Não tinha nada de socialista

Na política, encostou no líder socialista e ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, apanhado na Operação Mãos Limpas e condenado por corrupção. Para evitar a prisão, Craxi fugiu e passou a viver na Tunísia, onde faleceu. Lógico, a vizinha Tunísia nunca manteve tratado de extradição com a Itália.

Berlusconi não tinha nada de socialista. No particular, Geraldo Alckmin, atual vice-presidente da do Brasil, o imitou ao se filiar ao Partido Socialista Brasileiro.

Como político iniciante, Berlusconi esteve muito próximo da Democracia Cristã, partido da direita italiana que dominou o cenário político do pós-guerra. Jogava de mão com a CIA norte-americana, como provado no episódio que na Itália levou o nome de Gladio.

Berlusconi possuía a inscrição número 1816 na loja maçônica P2. Era uma associação criminosa que teve como chefão mais notório Licio Gelli, que quebrou o banco Ambrosiano e, para muitos, é suspeito de ter envenenado o papa João Paulo 1º — não houve autópsia, e a causa morte oficial foi dada como parada cardíaca.

Quando se tornou primeiro-ministro, em 1994, Berlusconi aproximou-se do líder do partido Aliança Nacional, de matriz neofascista e presidido por Gianfranco Fini.

Fini, ministro de Berlusconi, sumiu da vida política italiana após se apropriar de um apartamento em Monte Carlo, doado ao partido Aliança Nacional (AL) por uma incauta viúva do fascismo: era do tempo do líder Almirante.

Governou pouco, de 1994 a 1995. Berlusconi, quando novel primeiro-ministro, escapou da primeira onda de políticos envolvidos na Operação Mãos Limpas. Tragado pela segunda onda, teve a desconfiança do Parlamento e caiu o seu governo em 1995.

Na sua volta ao cargo de chefe de governo, procurou e conseguiu — com leis "ad personam", feitas para ele próprio — escapar de vários processos criminais.

Uma das suas táticas foi reduzir os prazos prescricionais para os delitos dos quais era acusado. Só foi condenado definitivamente em um processo, cumpriu pena de prestação de serviços à comunidade e se reabilitou criminalmente.

A ligação com a máfia italiana

Na sua vida, esteve muito próximo da Cosa Nostra, a máfia siciliana. Seu laranja, o senador Marcello Dell'Utri (elegeu-se pelo partido Forza Italia de Berlusconi) restou condenado e preso por associação à máfia.

Berlusconi figurou em outro escândalo mafioso. Tratou-se do episódio com o traficante internacional de drogas Vittorio Magano, contratado e registrado para trabalhar como adestrador dos cavalos em uma cinematográfica "villa" berlusconiana.

Atenção! Pequeno detalhe: por essa supracitada "villa" berlusconiana nunca passou ou viveu um único cavalo.

Os governos de Berlusconi foram marcados pela confusão entre o público e o privado. Internacionalmente, sua presença em encontros envergonhava a Itália.

Certa vez, as câmaras o flagraram a fixar o olhar nas nádegas da chanceler Angela Merkel. E a observação que fez sobre o captado é impublicável. Numa analogia com o mundo jurídico e sobre as nádegas, seria, numa comparação e pelo lado anatômico, como a afirmar a inconstitucionalidade de Merkel.

Berlusconi, um ególatra, ostentador e exibicionista, esteve envolvido em episódios sexuais como o Bunga-bunga.

O escândalo mais grotesco envolveu a menor Ruby Rubacuori (Ruby, a que rouba corações). Berlusconi disse ser ela parente do ditador egípcio Hosni Mubarak. E que Mubarak havia-lhe telefonado pedindo para fiscalizá-la em Milão. Ruby não era sobrinha de Mubarak, que nunca soube da sua existência.

Berlusconi colocou diversas moças do Bunga-bunga a concorrer, pelo seu partido Forza Italia, em listas eleitorais para cargos de vereadoras.

Quando do divórcio litigioso com Veronica Lario, convertido em biliardária separação consensual, foi explicada a troca de cargos públicos por favores sexuais a Berlusconi.

O fim do prestígio político

Após o último governo em 2011 e os escândalos processuais criminais, Berlusconi perdeu prestígio político.

Na última eleição italiana, o Força Itália entrou na coalização do partido Fratelli d'Italia, que levou Giorgia Melloni ao cargo de primeira-ministra.

Berlusconi quis tomar conta da cena. Seu partido, na coligação, teve votação pífia: colocou-se em terceiro e último dentre os partidos coligados aos de Melloni. Tomou um chega pra lá da primeira-ministra. Como conseguiu se eleger senador, tentou ser presidente do Senado, mas foi derrotado fragorosamente. Ao cumprimentar o eleito, soltou em alta voz: "vaffanculo" (vai toma no ...).

Berlusconi morreu tentando vender politicamente a imagem de ser um king-maker, ou seja, um influenciador da política italiana. Com essa imagem fake que procurava vender, ambicionava ser presidente da República italiana.

Num pano rápido, Berlusconi não fará falta à Itália.