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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro veste panos de vítima e parece estar na porta do inferno dantesco

Evelyn Hockstein/Reuters
Imagem: Evelyn Hockstein/Reuters

Colunista do UOL

05/07/2023 04h00

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O ex-presidente Jair Bolsonaro está tendo dificuldades para empregar o seu talento populista na nova tarefa de se apresentar como vítima. E vítima, na sua visão, de um sistema judiciário-eleitoral que lhe tirou a cidadania passiva (capacidade para ser votado) até 2030.

Atenção: Bolsonaro continua com a cidadania ativa. Assim, poderá votar e, evidentemente, influenciar politicamente.

O ex-presidente foi condenado com base na Lei Complementar número 64, de 1990, chamada de lei da inelegibilidade. Não perdeu todos os direitos políticos. Poderá, dessa maneira, votar, apoiar candidatos, estrebuchar e continuar a se fingir de vítima.

No momento, questões outras tiram-lhe o foco da vitimização — ainda que, desde a sexta-feira (30) da condenação no TSE, já tenha vestido panos de vítima.

Talvez, e pelo besteirol difundido, Bolsonaro nem tenha lido a clássica obra sobre vitimologia do saudoso jurista Edgard Moura Bittencourt. O livro fala em perseguição, liberdade de expressão e de opinião e julgamento parcial.

O ex-presidente, no momento, irrita-se quando perguntado sobre qual seria o seu herdeiro político. Diz estar vivo politicamente e desencoraja herdeiros presuntivos, como, por exemplo, os governadores de São Paulo e de Minas Gerais.

Tarcísio de Freitas, destaca Bolsonaro, seria carioca e torcedor do Flamengo. Pouco conhecido no Brasil. Quanto a Romeu Zema, não teria contado com o seu apoio nas eleições mineiras. Com efeito, não são seus herdeiros políticos.

O certo mesmo é que populistas, como regra, morrem sem deixar herdeiros. Idem, os autocratas.

Essa questão de morte "ab intestato" — sem testamento para indicar sucessor — foi agitada no mês passado por cientistas políticos europeus em face da morte do populista italiano Sílvio Berlusconi, considerado pelo saudoso jurista Noberto Bobbio como um déspota.

Os populistas Bolsonaro e Lula são iguais, ou seja, ambos não têm vocação a formar herdeiros políticos e sucessores.

Lula limita-se a plantar "postes": já se insinua candidato ao quarto mandato presidencial e, pelas suas manifestações, aposta em manter a polarização com Bolsonaro, este a liderar a direita radical.

Um pouco de cinzas: no Brasil, o populista e ex-ditador Getúlio Vargas não deixou herdeiros. Leonel Brizola chamou a si a hereditariedade getuliana: herdeiro por presunção. Ivete Vargas, filha de Cândida Vargas e neta do irmão de Getúlio, nunca passou de deputada. E o getulista Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) perdeu prestígio e virou um quase nada.

O autocrata Putin não tem herdeiros. Usou o poste Dmitry Medvedev quando não pode, por força legislativa, emplacar um novo mandato presidencial. Já mudou a lei, e o advogado Medvedev ganhou, como prêmio de consolação, a vice-presidência.

Chupins da política

No Congresso, rascunha-se um projeto de lei de anistia a garantir a volta da elegibilidade a Bolsonaro. Leis que miram privilegiar pessoa certa e aniquilar condenações — as chamadas leis "ad personan" — são flagrantemente inconstitucionais. Se passar pela sanção presidencial de Lula, não passará no STF.

Chupins estão sempre prontos a tirar vantagens, ainda que por tabela, como no caso da apresentação de projeto de lei. Os chupins da política contentam-se em integrar a corte e buscar vantagens em todos os ninhos.

Convém lembrar estar Bolsonaro envolvido nos inquéritos sobre milícias digitais e tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. Poderá ser processado e, caso definitivamente condenado e pela quantidade da pena, perderá os direitos políticos: cidadania ativa e passiva.

Mais ainda. O TSE determinou, no julgamento da ação de investigação judicial-eleitoral, o encaminhamento à PGR (Procuradoria-geral da República) do acórdão de inelegibilidade e peças processuais. Em tese, os ministros, por maioria, enxergaram crime tipificado no Código Penal — no caso, contra o estado democrático de Direito, previsto anteriormente na lei de segurança nacional.

Sem apelar ao STF no recesso

Embora irritado, Bolsonaro não deve bater à porta do plantão judiciário do Supremo Tribunal Federal — essa informação circula pela apelidada rádio-corredor dos palácios de Justiça. Com Rosa Weber, a plantonista, seria pura perda de tempo.

A lei complementar sobre inelegibilidade abre a possibilidade de concessão de liminar para suspender, provisória e cautelarmente, a decisão do TSE. Deve haver, no entanto, plausibilidade no pedido de suspensão cautelar do julgado pelo TSE. Plausibilidade recursal, nem com busca de argumentos jurídicos nos canhestros votos de Kássio Nunes Marques e Raul Araújo Filho.

Inferno de Dante

Sobre a possibilidade de alteração da inelegibilidade, quer por via recursal, quer por projeto de lei, o ex-presidente parece estar na porta do Inferno descrito na obra Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Num aviso grudado na porta de entrada do inferno de Dante, está escrito: "Lasciate ogni speranza, o voi ch´entrate". Trocado em miúdos, Bolsonaro, deixe aqui fora toda esperança, você que está a ingressar no inferno.