Wálter Maierovitch

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Opinião

Em cúpula internacional, PGR põe dedo na ferida sobre crime organizado

Alison Jamieson é uma socióloga italiana especializada em crime organizado transnacional. Trabalhou no escritório das Nações Unidas de prevenção àquela espécie de fenômeno criminal que não observa limitações de fronteiras, como é o caso, por exemplo, do ramificado PCC (Primeiro Comando da Capital), da mundial 'Ndrangheta calabresa, etc.

Certa vez, e há anos, Jamieson escreveu ter a criminalidade organizada transnacional trocado a metralhadora pelo mouse do computador.

Na verdade, quis dizer ingresso do crime transnacional no mundo da tecnologia de ponta.

Como essa criminalidade está sempre na frente das atividades de contraste exercida pelos estados nacionais, a IA (inteligência artificial) já deve estar nos seus experimentos.

As máfias usam, faz anos, tecnologia moderna para lavar —mais rápido— o dinheiro sujo obtido, de modo a poder reciclar o capital lavado em atividades formalmente lícitas.

O crime organizado transnacional infiltra-se sempre no poder. Apoia candidatos às eleições e influencia o voto.

Neste momento, deve estar a acompanhar, de alguma forma, o encontro que está ocorrendo no Rio de Janeiro, com participação de 19 países e da União Europeia. Trata-se de encontro da Cúpula dos Procuradores-chefes do Ministério Público dos Estados nacionais. Uma feliz iniciativa do nosso procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Na abertura do encontro, Gonet lembrou que "embora tenhamos um canal burocrático para vencer no combate à criminalidade, os criminosos não têm isso. Para que a gente vença essa guerra nós precisamos ser mais ágeis".

Gonet, no particular, foi comedido, pois deveríamos ser infinitamente mais ágeis. A lembrar, ainda, que as organizações criminosas transnacionais são mais criativas.

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Atenção: elas corrompem. E não se inibem com as leis, as penas altas e o regime prisional fechado.

O procurador dinamitado

Certa vez — no final dos anos 80 e antes de ser dinamitado pela máfia siciliana em 23 maio de 1992 —, Giovanni Falcone, à época magistrado do Ministério Público italiano, alertou: "Se o crime é transnacional — não tem fronteiras limitativas —, só com a cooperação internacional poderá ser vencido".

Falcone usou do ovo de Colombo. De fato, sem cooperação não há como prevenir, reprimir e vencer o fenômeno da criminalidade com atuação sem limitações de fronteiras.

O procurador Gonet usou de veemência necessária ao apelar para maior agilidade e eficiência na cooperação internacional entre os que atuam, mundo afora, no Ministério Público.

Gonet, com pleno acerto, apontou a burocracia como inimiga. Deixou, no entanto, de destacar um ponto fundamental e visível para quem tem olhos de ver e vontade de perceber: o crime organizado transnacional anda de braços dados com as ditaduras e joga de mão com os autocratas.

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Hipocrisia de lado, a máfia russa e as tríade chinesas crescem e se sofisticam cada vez mais. A máfia russa convive com o autocrata Putin, e as tríades com a ditadura chinesa de Xi Jinping.

Burocracia

Gonet falou da burocracia e disse que o crime organizado não é burocratizado.

No particular, sua análise só se aplica às organizações transnacionais de formação horizontalizada, como, por exemplo, a Camorra napolitana.

As mais potentes têm formação piramidal, com rígidos órgãos de cúpula, ou seja, de governo: a máfia siciliana, por influência daquela sículo-americana poderosíssima, chamava a sua cúpula de "commissione".

Em outras palavras, o crime organizado transnacional tem burocracia. A diferença é que a burocracia mafiosa possui a velocidade da luz e a outra, a dos órgãos oficiais de repressão, tem a velocidade de lesma reumática.

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Num pano rápido, o procurador Gonet, embora sem citar a autoria, descobriu a fundamental lição do seu saudoso colega Giovanni Falcone, ou seja, o crime é transnacional só se combate com operação internacional, sem cooperação não se vai a lugar algum.

E mais disse Falcone: "É fundamental atacar a economia movimentada pelo crime organizado".

Só para lembrar, parte do dinheiro movimentado por Pablo Escobar, chefão do então cartel colombiano de Medellín, estave bem guardada no Panamá, sob a proteção do então ditador Manuel Noriega. E Noriega estava na gaveta de corrupção da CIA, a agência norte-americana de inteligência.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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