Bolsonaro prepara fuga sem perda de liderança e entrega Cid à própria sorte
À luz do Direito, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o seu então ajudante de ordens, tenente coronel Mauro Cid, decidiram pela tomada de caminhos diferentes, com destinos inconciliáveis e conflituosos.
Cid abdicou, pela boca do seu advogado, da sua condição de fâmulo, subserviente de Bolsonaro. Como se diz no popular, não vai segurar a bucha sozinho.
À sua postura de quebra do "pactum sceleris" (pacto criminoso) com Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid recebeu resposta jamais imaginada do seu líder e mito: "Tinha autonomia".
Mais ainda, Bolsonaro declarou não ter ordenado "ninguém vender nada".
Demonstrou Bolsonaro, em relação às joias e aos relógios e para tentar isentar-se dos crimes de peculato continuado, lavagem de dinheiro e associação delinquencial, haver escolhido, diante da lei e das evidências probatórias, a única tese defensiva capaz de produzir a absolvição em processo criminal. Ou seja, a tese jurídica da negativa da autoria. Como consequência, jogou ao mar, abandonou à própria sorte, o ex-ajudante de execução das suas ordens.
Fuga em preparação
Como sabe até um bacharel em direito reprovado em exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), dois réus a jogar a responsabilidade criminal exclusivamente para cima do outro, indicam, quando a induvidosa prova (e é o caso da dupla Bolsonaro e Mauro Cid), um desastre anunciado, a condenação definitiva de ambos.
Bolsonaro já percebeu bem isso. E a sua negativa de ordem para vender os relógios e as joias teve por razão única dar argumento à militância, aos seguidores, que não deseja perder.
Dada a desculpa, sem consistência legal e sem visos de juridicidade, Bolsonaro começou a preparar e justificar a fuga da Justiça brasileira.
Bolsonaro bradou estar a "correr riscos em solo brasileiro". Lógico, estava a se referir aos riscos de prisão pela determinação da Justiça, pelo seu STF (Supremo Tribunal Federal).
Na sequência do discurso, avisou, com emprego de plural majestático, "não podermos ceder" e o estar o país a passar por "momentos difíceis". Como se percebe, o país seria ele próprio.
Volto ao campo legal.
Não precisa ser operador do direito para perceber o prevalecimento do respeito à Constituição e ao império das leis quando se vive num Estado de direito. Pois bem, ajudante de ordens, pela lei e diante do direito administrativo, apenas executa ordens. Não possui iniciativa para dar ordens da alçada e competência exclusiva de um chefe de poder, caso do presidente da República.
Atenção. Mauro Cid tinha por tarefa legal executar ordens, não gozava de atribuição para ordenar, a tomar o lugar de Bolsonaro. Substituir-se ao chefe do Poder Executivo nacional.
Outro ponto legal fundamental. Diz a lei que ordens manifestamente ilegais devem ter o cumprimento recusado. No caso de Mauro Cid, a jurisprudência e a doutrina, internacional e nacional, entendem manifestamente ilegal a ordem criminosa: vender bens pertencentes à União e desviados em face de crimes de peculato.
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Quero receberTem mais. É manifestamente ilegal a ordem quando destinada a servidor que não tem, por lei, atribuição para promover o seu cumprimento.
Em outras palavras, Mauro Cid não contava com atribuição legal para vender joias, nem no Brasil e nem no exterior. E não dá para Cid afirmar desconhecimento à lei: ignorantia juris neminem excusat (a ignorância da lei não escusa ninguém), declaravam os pretores quando Roma dominava o mundo.
Dilema de Sofia
Fugir ou ser condenado definitivamente a longo período em regime prisional fechado é o dilema de Bolsonaro.
Dilema de quem já carrega condenação geradora de inelegibilidade, com perda de cidadania passiva, ou melhor, impossibilidade de concorrer e ser votado por oito anos.
Dependendo do país de escolha, um auto-exílio possibilitará a Bolsonaro continuar à distância a influir na política brasileira e a manobrar os cordéis aos quais estão atados os bolsonaristas de raiz.
Por seu turno e quanto ao ex-ajudante de ordens Mauro Cid, abandonado no campo de batalha por não assumir sozinho a "bronca", parece não ter mais escolha. Sem saída, ainda que confesse, parta para a delação premiada, ao profundo arrependimento de um lamentável engano de escolha e confiança.
Pelo andar da carruagem, Mauro Cid, vítima da própria ambição e da crença cega num mentiroso, não vai poder fugir como começa a ensaiar e a dar sinais Bolsonaro.
Por pisotear a Constituição em conluio e obediência cega ao ex-presidente Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid, preso preventivamente, está sendo visto pelos seus pares legalistas como um oficial militar que desonrou o Exército por conduta lesiva à pátria.
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