Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

PEC do STF: mandato de 11 anos para ministros não atinge os atuais

Nada mudará a curto prazo no STF (Supremo Tribunal Federal) se for aprovada, do jeito que está, a emenda constitucional a limitar em 11 anos o prazo de permanência dos ministros na Corte.

Os atuais ministros do Supremo gozam de direito adquirido à vitaliciedade, à luz da Constituição. Ou melhor, podem permanecer até os 75 anos na função de ministros do STF — como se diz entre os operadores do direito, a "expulsória" só ocorre aos 75.

A idade para a aposentaria compulsória já foi de 70 anos, mas, para evitar a indicação e nomeação por Dilma Rousseff de mais ministros, uma emenda constitucional mudou esse limite. O mundo gira e a Lusitana roda, dizia uma propaganda de uma conhecida transportadora nacional. O STF roda de 70 para 75 anos.

Agora, cogita-se mandato de 11 anos como prazo de validade.

Aprovada a PEC (Projeto de Emenda Constitucional), se Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques quiserem, só deixarão as cadeiras aos 75 anos.

Nem o decano, Gilmar Mendes, que já conta com bem mais de 11 anos como ministro, sairá por força da emenda proposta. Idem para Dias Tóffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Para saída imediata dos supracitados ministros, seria necessário a colocação na PEC da regra da disponibilidade. Tecnicamente, é o afastamento do juiz, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

Num linguajar popular, e a lembrar o saudoso apresentador Chacrinha, colocar em disponibilidade seria semelhante a um "vamos saindo de cena".

Ministro ad infinitum... tem algo errado

No sistema republicano de governo, os mandatos são por tempo determinado. No Brasil, para presidente da República, governadores, prefeitos, deputados, senadores e vereadores, o mandato é eletivo e por tempo determinado.

Continua após a publicidade

O presidente da República indica o ministro para o STF, e ao Senado compete a aprovação ou a reprovação. Ora, ora, o presidente e os senadores têm mandato certo, e os ministros do STF são vitalícios. Tem algo de antirrepublicano nisso.

Nas cortes constitucionais europeias os magistrados têm mandato por prazo certo e determinado. E é proibida a recondução para um segundo mandato.

Mandato com prazo é essencial à democracia

A alteração constitucional em tramitação no nosso Congresso — e a mais acelerada em termos procedimentais — foi apresentada por Flávio Dino, quando ele era parlamentar e nem sonhava em ser ministro da Justiça.

A democracia direta, como o sistema ateniense do século 5 a.C., cedeu lugar à representativa. Os órgãos de poder são compostos por mandatários (procuradores) do povo. E a eletividade com temporariedade de mandatos é da essência de uma democracia de sistema republicano.

O STF, a partir do governo FHC, começou a trocar o julgamento técnico pelo político. A manifestação do então ministro Nelson Jobim no sentido de ser o "líder da bancada do governo no STF" não pode ser esquecida.

Continua após a publicidade

Toffoli caiu de paraquedas no STF, e a sua atuação mostra a tendência supracitada. Nunes Marques e André Mendonça, como revelou o então presidente Jair Bolsonaro, foram escolhidos para tomar tubaína e receber dele orientações.

Enfim, vários ministros do STF gozam de péssima imagem na sociedade e a longa permanência não é salutar. Depois de um tempo, muitos dos ministros do STF perdem prestígio e a confiança dos cidadãos. A lembrar: eles decidem em nome do cidadão que representam.

Permanecer até os 75 anos transformou-se num convite para o ministro abandonar o julgamento técnico e abraçar o político partidário ou submeter-se àquele que o colocou no STF.

O ministro Gilmar Mendes, com seu reconhecido conhecimento jurídico e habilidades políticas, transformou-se num condestável da República.

Pano rápido: Mandato com prazo certo, regra da disponibilidade dos ministros vitalícios e impossibilidade de recondução significam amadurecimento democrático e aperfeiçoamento republicano.

O passo seguinte, "de lege ferenda" (por legislação futura), deverá ser a transformação do STF apenas numa corte constitucional, a englobar função consultiva. A Corte italiana foi consultada recentemente, quando da última eleição para presidente da República, se cabia a reeleição do presidente em fim de mandato, no caso, Sergio Matarella.

Continua após a publicidade

A História na Itália

Coube ao saudoso jurista e professor Piero Calamandrei cuidar, durante os trabalhos da assembleia constituinte italiana, da comissão responsável pelo capítulo atinente à Corte Constitucional.

Calamandrei propôs — e foi acolhido com a Constituição entrando em vigor em 1948 — uma Corte constitucional com 15 juízes e mandato improrrogável de 12 anos (em 1967, foi reduzido a nove anos).

A Corte constitucional italiana só foi instalada e lançou a sua primeira decisão no ano de 1956. Representou a consolidação da vitória contra o fascismo e, como escreveu Calamandrei, para defender os cidadãos de "posicionamentos tirânicos" (atteggiamenti tirannici).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes