Wálter Maierovitch

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Opinião

Bolsonaro quer fazer caridade com chapéu alheio

A expressão popular "fazer cortesia (caridade) com o chapéu alheio" é muito antiga e revela mau-caratismo. Na política, esse tipo de enganação é mais grave. Entrega-se bem de outro como sendo próprio para impressionar e levar indevida vantagem.

Essa expressão avoenga sempre calça como luvas aos populistas desejosos em obter a admiração dos cidadãos votantes, sem ter merecimento algum.

O ex-presidente Bolsonaro anunciou aos quatro ventos que irá doar para a Santa Casa de Juiz de Fora (MG), onde esteve internado quando esfaqueado por pessoa insana e com atuação escoteira, o valor obtido com a venda em leilão das joias recebidas do ditador da Arábia Saudita.

Bolsonaro, no particular, finge esquecer a sua condição de mero e temporário depositário das joias, como ficará, na técnica jurídico-constitucional, exposto mais abaixo.

Essa doação será com chapéu alheio, ou seja, as joias pertencem à União.

Bolsonaro ficou, dada à condição de presidente da República, como detentor, com o dever constitucional de realizar a transmissão das joias ao verdadeiro proprietário.

Na verdade, Bolsonaro desgastou-se com o episódio e a sua perseverante e induvidosa intenção de se apropriar das joias.

A postura do ladrão

Bolsonaro comportou-se como o ladrão que, perante a autoridade policial, apega-se ao valor e brilho dos bens e inventa mil lorotas para dele não se desfazer.

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O ex-presidente Bolsonaro negou envolvimento com as joias e disse que desconhecia o fato. Depois, e quando desmentido, tentou vendê-las e, por último, alegou ser o proprietário de "pleno direito".

TCU como salvação

No momento, Bolsonaro agarra-se à decisão tortuosa, inconstitucional, do Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão de fiscalização administrativa, em auxílio ao Poder Legislativo.

Atenção: o TCU não é órgão judiciário. Não julga, em um conflito de interesses, quem tem razão. Também não é o TCU órgão substituto do Ministério Público.

As suas decisões do TCU não impedem propositura de ação criminal por consumação de continuados crimes de peculato. Isso está no poder-dever do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública e a representar o Estado, titular do direito de punir (jus puniendi).

O TCU, convém lembrar de novo, entendeu de maneira errônea e ignorou a Constituição ao entender não precisar Lula devolver relógio recebido em 2005, da empresa francesa Cartier, em viagem a Paris na condição de presidente do Brasil.

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Como ensinou o ateniense Péricles, falecido em 429 a. C. e considerado o pai da democracia, o povo, neste regime, escolhe o governante, o seu representante. Grosso modo, o governante, no caso o presidente da República, recebe uma procuração (mandato) e não pode abusar.

Quando um presidente brasileiro recebe presente, está a recebê-lo na condição de mandatário, ou seja, de procurador do povo brasileiro.

Imagine-se uma imobiliária que, por possuir procuração (que é o instrumento do contrato de mandato) de certo proprietário de imóvel alugado, receba aluguel do inquilino e o embolse, sem repasse ao proprietário-locador. Com Lula e Bolsonaro deu-se o mesmo, pois não entregaram os bens recebidos e detidos na condição de meros depositórios à União.

O TCU, em resumo, entendeu não existir legislação ordinária a estabelecer o pertencimento. Ora, ora, existia a Constituição, nossa Lei Maior. E Constituição a mostrar, com todas as letras, ser o presidente da república um representante, mandatário, procurador, do povo brasileiro.

Bolsonaro revela, agora e para se livrar da responsabilização criminal, disposição em vender as joias. Má fé, de novo. Ninguém pode vender bem que não seja seu e num momento que Bolsonaro não tem mais mandato popular.

Pergunta-se: quem confiaria num leilão encomendado por Bolsonaro?

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Seguramente, não confiaria nem a crédula velhinha de Taubaté, personagem de humorismo criado pelo consagrado escritor Luís Fernando Veríssimo.

Desespero e vigarice

No desespero, Bolsonaro anuncia algo a significar caridade com o chapéu de propriedade exclusiva da União. Pura vigarice.

Mais ainda. Bolsonaro, em petição dirigida ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, tenta fazer com que aceite a tese, tortuosa e inconstitucional, do TCU. Na caradura, pois o crime de peculato, em continuação delitiva, já está consumado e isto no momento em que Bolsonaro fez-se de proprietário: animus rem sibi habendi, diriam os pretores romanos ( a intenção de ter a coisa para si).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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