Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Toffoli premia a torpeza e abraça a imoralidade

Ninguém deve ter seu pedido acolhido em juízo caso exponha a sua própria imoralidade para levar vantagem. Em vetusta versão italiana que se universalizou: "nessuno viene ascoltato se espone una própria imoralità".

Será esse brocardo jurídico coisa fora de moda? Algo só da cultura europeia, do tempo do holandês Baruck Spinoza (pai da ética) e não vigente na sociedade moderna e no direito positivo?

A resposta é um retumbante não.

Mas, pode-se dizer, e se acerta em cheio, que a J&F e Odebrecht, esta com a nova razão social Novonor, exibiram nas alegações apresentadas a Toffoli, em dezembro passado e nesta semana, as próprias torpezas. Isso com o objetivo de suspender pagamentos bilionários contratados.

De fato, essas torpezas, ambas de clareza solar, foram surpreendentemente desprezadas pelo ministro do STF Dias Toffoli, relator dos casos.

Os pedidos de liminares, o de agora (Odebecht-Novonor) e o de dezembro (J&F), só estavam fundados na torpeza.

Fora a torpeza, temos leguleios incapazes de abalar os contratos de leniência. E não dá para fugir da regra constitucional e legal da pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos).

Decisões monocráticas

Ensinam os autores de livros que mostram aos estudantes as primeiras linhas da teoria geral do processo que uma decisão monocrática, liminar e acautelatória só se concede quando fundada num bom direito (fumus boni juris). Portanto, jamais na torpeza.

Continua após a publicidade

Além disso, na ocorrência de risco de irreparabilidade de dano —nos casos Novonor e J&F se fossem pagas as parcelas contratadas—, seguramente o Tesouro Nacional tinha como fazer a devolução, até corrigida monetariamente.

O ministro Toffoli, usada uma linguagem comum nos tribunais, concedeu duas liminares suspensivas ao "arrepio da lei".

Pior, a ferir um universal e fundamental princípio geral de direito: nemo auditur propiam turpitudinem allegans (a ninguém é dado alegar a própria torpeza).

Torpeza poderosa

Além da invocação da própria torpeza pelas ainda potentes e poderosas empresas mencionadas, existe, por evidente, o caradurismo infame, como vou tratar logo mais.

A supracitada e velha máxima de valor ético-moral surgida ao tempo do Direito Romano, ressalto, evoluiu no campo jurídico e se transformou num "princípio geral de direito".

Continua após a publicidade

Atenção: o juiz, nas decisões, pode e deve socorrer-se dos princípios gerais de direito, diz a lei.

Esse citado princípio geral de direito é muito aplicado no campo dos contratos e, friso mais uma vez, delação premiada e acordo de leniência são contratos.

De novo, atenção! Uma norma ético-moral restou incorporada nos ordenamentos jurídicos mundo afora. Os países civilizados adotam, como princípio geral de direito, não ser lícito a ninguém alegar a própria torpeza, nos processos judiciais e para levar vantagem. Toffoli não o adotou.

Em duas liminares decisões monocráticas recentes —a primeira em dezembro às vésperas do recesso de férias forenses e a segunda dada nesta semana—, o ministro Dias Toffoli premiou a falcatrua. Retroagiu a admitir, ainda que cautelar e provisoriamente, a corrupção confessada pelas J&F e a Odebrecht da época.

Toffoli concedeu liminares e suspendeu pagamentos devidos ao Tesouro Nacional por força de contratos assinados livremente.

Com a liminar, a J&F deixou de pagar parcela devida e acertada em contrato de leniência, na bagatela de R$ 13,3 bilhões. A velha Odebrecht deixou de desembolsar cerca de R$ 6,8 bilhões.

Continua após a publicidade

O ministro simplesmente olvidou que as duas empresas, assistidas pelos melhores advogados do país, propuseram o acordo. Tiveram a iniciativa de propor e o acordo final foi homologado por decisão judiciária.

Com base na falta de imparcialidade do então juiz Sergio Moro (União Brasil-PR) e em gravações com diálogos não contestados, mas consideradas inválidas para uso em juízo, as duas empresas buscam simplesmente anulações e fim de pagamentos. Num próximo passo, a restituição do já pagado.

Passar pano

As duas poderosas e potentes empresas não negam as falcatruas, os esquemas de corrupção, as vantagens ilegais aferidas. Mas, nulidades formais, ou seja, anulações pela forma de ocorrências que não descaracterizam as ações corruptoras.

Na verdade, as poderosas, potentes e corruptoras empresas alegam não valer o confessado e exitoso sistema corruptor. Tipo, corrompemos, mas o Moro era suspeito. Ou uma armação para descobrir a real e inconteste corrupção praticada.

Livre convencimento torpe

Como vulgarmente se diz, o "juiz é a boca da lei e da Constituição". O importante mesmo, para se conferir isso, é verificar a motivação da decisão judicial.

Continua após a publicidade

Pela nossa Constituição e legislação processual, o juiz tem livre convencimento, mas precisa dizer as razões, dar os motivos, que expliquem a decisão.

Toffoli, como todo juiz no processo, tem o livre convencimento, a tecnicamente chamada persuasão racional ou convicção condicionada a dar os motivos inspiradores.

Ao decidir no caso da J&F para suspender pagamento, ao lado do livre convencimento havia o lado da sua torpeza, data venia.

Melhor explicando. A esposa de Tóffoli é advogada-associada do escritório que, tecnicamente, realizou o pedido liminar.

O livre convencimento estava viciado pela suspeição. Com isso, a torpeza da decisão, a imoralidade toffoliana.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes