Corregedor Salomão se empolgou com papel de xerife e levou lição de direito
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dentre outras deliberações e por maioria de votos, cassou a decisão do ministro Luís Felipe Salomão, considerada "ilegítima, arbitrária e desnecessária".
Salomão havia afastado cautelarmente das funções a juíza federal Gabriela Hardt, ex-substituta do então magistrado Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba.
Salomão distanciou-se do xará bíblico que, como juiz, teria pedido em sonho a Deus para ser justo, a fim de poder julgar o povo hebreu.
Apoiado pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mandes para vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) em face da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, o ministro Salomão, titular do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e corregedor do CNJ, mudou a sua postura técnico-jurídica.
Salomão adotou o estilo inquisitorial do seu amigo Moraes e o ineditismo muitas vezes praticado por Mendes. Diante disso, Salomão acabou recebendo lições elementares de direito por parte do ministro Luís Roberto Barroso, um jurista de respeito.
Quebrou a cara
Menos de 24 horas antes da realização da sessão de deliberação do CNJ, o ministro Salomão, monocraticamente, afastou a juíza Hardt.
Não quis esperar para propor o afastamento da juíza aos seus pares do conselho.
Na verdade, quis jogar com o fato consumado.
Quebrou a cara, como se diz no popular, quando foi informado que a jurisprudência do STF orientava não ser constitucional afastar um magistrado por decisão monocrática.
Salomão, repita-se, deveria ter proposto a medida aos demais conselheiros.
Pelo que parece, ele teve a chamada síndrome de "xerife" combinada com a amnésia de esquecer a jurisprudência do STF.
Perversidade
Pela lei, medidas acautelatórias dependem da comprovação da urgência.
A decisão da juíza Hardt, que chamou a atenção de Salomão, foi dada cinco anos atrás.
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Quero receberDurante esse tempo, ela continuou a sua carreira que, como lembrou o ministro Barroso, sempre apresentou-se funcionalmente irrepreensível.
Barroso, diante desse quadro espantoso, ressaltou: " se chancelarmos isso [afastamento da juíza] estaremos cometendo uma injustiça, se não uma perversidade".
Espanto
Outro requisito legal para a concessão de uma decisão cautelar diz respeito ao chamado "fumus boni juris", uma fumaça do bom direito: a aparência da existência de certo direito.
O bom direito apontava para uma decisão homologatória de acordo entre partes, com costura internacional.
E tem mais. Uma medida cautelar de afastamento de magistrado só pode ser proferida por órgão competente. Um corregedor, no caso, Salomão, não poderia apreciar questão jurisdicional.
Questão correcional administrativa e infracional não se confunde com questão jurisdicional.
Pela Constituição, qualquer magistrado, em função de dizer o direito, tem a garantia do livre convencimento.
No caso da juíza Hardt, ela foi provocada pelo Ministério Público a homologar, sem ingressar no exame do mérito (merecimento), um acordo.
Nessa hipótese, a lei determina um exame restrito. Verifica se as partes são legítimas e representadas, se o objeto é lícito e o instrumento, apropriado. A homologação tem força de sentença, de natureza jurisdicional.
Em outras palavras, Hardt atuou jurisdicionalmente. Contra sua decisão, caberia recurso a tribunais. A questão, com efeito, não era correcional e, portanto, estava fora da atribuição do ministro Salomão.
Nenhum elemento evidenciava que a juíza teria se apropriado de recurso da União, prevaricado, se corrompido, ou, de qualquer forma, desviado dinheiro público para atender interesse privado, como presumiu Salomão, sem nenhuma prova.
Hardt, pura e simplesmente, homologou um acordo, sem se imiscuir no mérito, frise-se.
Fundação
O Ministério Público, que é uno e indivisível, não estava legitimado a destinar verba, que seria recebida pela União, para criar uma fundação de direito privado e de combate à corrupção.
Esse é o ponto grave, e a força-tarefa da Lava Jato, não a juíza Hardt, meteu os pés pelas mãos.
Compete à União receber e destinar as suas verbas e ganhos.
Pelo que se sabe, essa fundação, cheia de dinheiro, iria servir para ações preventivas e palanque político para Deltan Dallagnol e outros da sua turma.
Pano rápido
Salomão empolgou-se com a estrela de xerife e esqueceu-se da jurisprudência do STF. Diante disso, pode ter enterrado as suas pretensões de chegar ao STF. E até a dupla Moraes e Mendes, depois do episódio chamado de "perversidade", deverão recuar do apoio.
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