Wálter Maierovitch

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Opinião

Fuga em Mossoró: quando o Comando Vermelho concede habeas corpus

Fugas espetaculares em presídios foram descritas em livros. Mais ainda, chegaram aos cinemas e se transformaram em campeãs de bilheterias.

Uma fuga em presídio federal com rótulo de segurança máxima, como a ocorrida em Mossoró (RN), tem potencial ao título de espetacular.

Mas, e para tanto, precisará ficar comprovado o planejamento e a cobertura dada aos dois fujões — a incluir transporte e esconderijo. Não será espetacular, mas mequetrefe, caso decorra do desleixo ou da conivência da direção penitenciária e dos seus agentes.

No momento, ainda não se sabe de nada e existe o sigilo da investigação.

Da Ilha do Diabo a Mossoró

René Belbenoit, 15 anos na prisão conhecida como Ilha do Diabo de Caiena (Guiana Francesa), fugiu numa embarcação precária, por ele mesmo construída. Desafiou o mar agitado pelas ondas e levou consigo os seus escritos biográficos: 15 kg de papeis. Era a fortuna a salvar.

O livro de Belbenoit, o prisioneiro número 46.635 de Caiena, corou-se de sucesso e os franceses ficaram indignados com o tratamento desumano dado aos presos condenados a penas pesadas em Caiena.

Todos esses presos eram dados como perigosos e colocados distantes da França, na inóspita Ilha do Diabo. Como regra, morriam antes do cumprimento das sanções. Uma maneira, à francesa, de disfarçada imposição de pena de morte.

O livro de Belbenoit restou publicado no Brasil pela editora José Olympio e a 3ª edição, que tenho em mãos, é de 1958, com tradução de Lívio Xavier.

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Em 1973, com Belbenoit já esquecido, surgiu um espertalhão chamado Henri Charrière. Segundo matérias da imprensa francesa, não há registro com o seu nome em Caiena. Pelo que se sabe, plagiou a obra de Belbenoit e, numa superprodução a estrelar Steve McQueen, levou-se às telas dos cinemas o filme Papillon (na tradução, borboleta).

Como o passar do tempo, atuações escoteiras como a de Belbenoit cederam às engendradas pela organizações criminosas.

O megatraficante Pablo Escobar, chefão do megacartel de Medellín, construiu na Colômbia o próprio presídio. Esse presídio construído e decorado por Escobar recebeu o apelido de "A Catedral". Era o templo onde só ele mandava e o estado colombiano fingia a custódia. Um cinco estrelas onde, na sala de recepção, não faltavam obras de arte.

Já com a tecnologia avançada e usada nos presídios ditos de segurança e corrupção máximas, Joaquin Guzmán Loera, apelidado El Chapo, empreendeu fugas com escavações de túneis ou com saída pela porta dos fundos, misturado em roupas enviadas a terceirizadas lavanderias.

No Brasil, em 2006 e na presidência de Lula, o sistema penitenciário passou a contar com os denominados presídios de segurança máxima.

O objetivo era igual ao estabelecido no artigo 41 bis, do Código Penitenciário italiano, apelidado de "cárcere duro" — ou seja, isolar os comandantes dos subordinados. Tipo general sem tropa.

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A fuga de dois criminosos perigosos, condenados definitivamente e transferidos dos seus estados para o presídio de segurança máxima de Mossoró, deixou o governo federal nocauteado pela ação da criminalidade organizada.

Pior, ensejou a volta do lema da criminalidade organizada: "somos sempre os mais fortes".

No caso do presídio federal do Rio Grande do Norte, os foragidos Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça pertenciam ao Comando Vermelho, potente associação delinquencial nascida no Rio e com ramificações pelas regiões Norte e Nordeste.

O CV é uma pré-mafia, no grau de organização interfronteiriça.

Com tecnologia disponível e o sistema de triplo controle eletrônico, como ocorre por exemplo na Itália, França e EUA, qualquer fuga passa a ser possível apenas pelo desleixo, pela incúria ou cooptação mediante corrupção ou ameaças, a incluir as endereçadas aos familiares dos agentes penitenciário.

A Itália criou o sistema do cárcere duro e colocou em prática uma nova política penitenciária. Isso depois de a Cosa Nostra siciliana ter declarado guerra contra o Estado e dinamitado magistrados, procuradores e policiais.

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Todos os cárceres de segurança máxima italianos estão longe da Sicília, possuem vigilância e automação eletrônicas, com tríplice controle. É praticamente impossível a fuga.

Ainda no sistema italiano, as celas são monitoradas e apenas o banheiro, por decisão da Corte de Cassação, não pode ser fiscalizado à distância, por câmeras.

O presídio federal de Mossoró, conforme informado, é seguro e todo informatizado. Em face disso, uma investigação poderá esclarecer como deu-se a falha que resultou das duas fugas.

Age bem o novo ministro da Justiça e Segurança ao determinar uma avaliação e varredura em todos os cinco presídios de segurança máxima. E de instaurar investigação a respeito da fuga e eventual cumplicidade.

Nos territórios do crime

Com as duas fugas, a criminalidade organizada cantará vitória. E irá usar o episódio para manter a difusão do medo nos territórios controlados.

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O cidadão comum, em lugares onde as organizações criminosas mantêm controle territorial e social, terá aumentada a sua dificuldade muito maior em confiar na segurança propiciada pelo estado. Diante disso, a recaptura dos dois fugitivos não poderá tardar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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