Wálter Maierovitch

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Opinião

Oriente Médio: Irã mostra a cara, e Israel avança a linha azul da ONU

A semana começa com dois indicativos de ampliação do cenário de guerra no Oriente Médio.

Os fatos são preocupantes: invasão do sul do Líbano por tropas terrestres do IDF, o exército israelense, e ataque iraniano contra Israel, com emprego de 200 mísseis.

De pronto, devemos destacar o positivo.

O ataque iraniano de hoje, que já cessou, resumiu-se ao ferimento leve de um civil. Houve tempo para que os israelenses em área de risco fugissem para os esconderijos.

Por outro lado, o avanço pela fronteiriça linha azul traçada pela ONU será limitado. E haverá recuo depois de atingidos os alvos, conforme ficará melhor exposto abaixo.

Por partes.

Irã mostrou a cara

O ataque do Irã era esperado por Israel. Havia dúvida apenas com relação à intensidade.

Conforme apontado pelos geoestrategistas militares e pelos operadores do direito internacional, o ataque iraniano teve a dimensão do realizado anteriormente a título de resposta à execução de Ismail Haniyeh, líder do Hamas.

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Haniyeh foi assassinado em Teerã, em 31 de julho, logo depois de haver participado da cerimônia de posse do presidente iraniano.

Pela morte de Haniyeh e afronta à soberania territorial do Irã, a resposta bélica foi branda. Usou-se, no âmbito da União Europeia, a expressão "simbólica".

O ponto a ressaltar no ataque de hoje é que ele foi motivado por solidariedade ao Hezbollah pela morte de Hassan Nasrallah e pelos ataques de Israel.

No particular, o ataque de hoje representa um pouco mais. O Irã, que financia, instrui, prepara e apoia o Hamas, o Hezbollah, os houthis do Iêmen e as milícias do Iraque, viu-se obrigado a marcar posição.

Antes de morrer, Nasrallah, como ressaltado em colunas anteriores, estava decepcionado com o Irã pela demora do país em entrar na guerra, ao lado dos seus aliados-dependentes.

Agenda da guerra

A resistência à invasão do sul do Líbano pelo Hezbollah continuará sob o comando de Naim Qassem. Ele ainda estará no cargo de vice-chefe do Hezbollah.

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Qassem não assumirá o posto de chefe máximo do Hezbollah. É que o Conselho da Shura, o órgão central de decisões do Hezbollah, já escolheu Hashim Safi Al Din, de 59 anos. Al Din aguarda o fim das exéquias devidas a Nasrallah, seu tio, para assumir.

Farpas de guerra

A infantaria do IDF já cruzou a linha azul de fronteira, no sul do Líbano.

A linha foi traçada pelas Nações Unidas em 2000, para marcar, pacificar e cuidar da separação da fronteira entre territórios nacionais. Foi destacada, ainda, uma força especial de paz, a Unifil (United Nations Interim Force in Lebanon).

Os soldados da Unifil, os capacetes azuis da ONU, estão, no momento, num bunker de proteção, pois correm risco, e a missão é de pacificação e não de participação na guerra.

O ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, já falou com a tropa, tão logo o Parlamento israelense deu autorização para uma operação militar "mirada" e "limitada". Quer dizer, uma operação com objetivo certo e determinado, não ocupação permanente da fronteira sul do Líbano.

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Israel procura assim, à luz do direito internacional, garantir-se com a tese da legítima defesa e descaracterizar uma dolosa violação da soberania do Líbano. Embora sempre desmoralizado, o direito internacional, chamado direito das gentes, é usado quando interessa —e para aparências.

Na sua manifestação à tropa, Gallant aproveitou para "cutucar" Naim Qassem, após este ter afirmado que o Hezbollah estava vivo e preparadíssimo para enfrentar as "tropas invasoras".

Gallant, na troca de farpas, usou a fala com a tropa a fim de dizer a Qassem e aos atuais dirigentes do Hezbollah que a morte de Nasrallah "não foi suficiente", pois o perigo para Israel continua.

Para Gallant, o Hezbollah, desde 8 de outubro, bombardeia diariamente o norte de Israel e causou o êxodo de cerca de 60 mil israelenses da Galiléia. Os israelenses da Galileia estão sem casa, assistência médica e as crianças, sem escolas.

Gallant sempre lembra a promessa pública de Nasrallah, depois do terror de 7 de outubro, de adesão à luta para varrer Israel do mapa.

Tirando da seringa

O presidente dos EUA, Joe Biden, faz cara de paisagem quando indagado sobre a invasão, por terra, da infantaria de Israel. Tudo atravessando a linha azul traçada pela ONU.

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Biden, pensando na eleição de Kamala Harris e diante da imprevisibilidade e desconfiança em Benjamin Netanyahu, respondeu: "Sou tão informado quanto vocês [jornalistas]". E acrescentou, sempre de olho no eleitorado americano: "Quero que parem. Quero um cessar-fogo".

Biden não enganou ninguém. E os 007 das agências de inteligência dos EUA, a CIA (Central Intelligence Agency) à frente, devem ter gargalhado com a "tirada" de Biden.

Para os 007 da CIA, os especialistas em geopolítica e os operadores do direito internacional, Israel só conseguirá legitimidade na ação se atuar de forma limitada, protegendo a fronteira para a volta das famílias às suas casas.

Atenção: na fronteira sul, o embate será entre o IDF e o Hezbollah. O exército oficial do Líbano não estará presente.

Na verdade, o exército do Líbano é um quase nada em comparação com os 60 mil homens fortemente armados e preparados do Hezbollah.

O Hezbollah representa, para muitos especialistas em geopolítica, que usam uma expressão banalizada, "um Estado dentro do Estado legal, constitucional".

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A Constituição do Líbano é de 1926, modificada muitas vezes depois do assassinado de Rafik Hariri, premiê demissionário e contrário à presença de tropas da Síria no Líbano, morto em 2005.

Embate

Nesta coluna, já bancamos a informação de que a invasão no sul do Líbano era iminente, com base no anunciado pelas ações de bombardeamentos preparatórias, que levaram à morte de Nasrallah e mais de 15 integrantes do vértice do Hezbollah.

Os 007 da inteligência de Israel, pelos serviços de espionagem interno, externo e militar, sabem o que irão encontrar de resistência no lado de lá da fronteira.

Durante anos, o Irã financiou e orientou escavações e túneis para a defesa por parte do Hezbollah. Assim, a progressão da infantaria israelense, que terá tanques na retaguarda e caças bombardeiros à frente, será lenta, em áreas minadas.

Como diria um especialista em operações militares, um tipo Neném Prancha do futebol —o filósofo da bola, conforme Armando Nogueira—, "guerra é guerra".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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