Oriente Médio: Irã mostra a cara, e Israel avança a linha azul da ONU
A semana começa com dois indicativos de ampliação do cenário de guerra no Oriente Médio.
Os fatos são preocupantes: invasão do sul do Líbano por tropas terrestres do IDF, o exército israelense, e ataque iraniano contra Israel, com emprego de 200 mísseis.
De pronto, devemos destacar o positivo.
O ataque iraniano de hoje, que já cessou, resumiu-se ao ferimento leve de um civil. Houve tempo para que os israelenses em área de risco fugissem para os esconderijos.
Por outro lado, o avanço pela fronteiriça linha azul traçada pela ONU será limitado. E haverá recuo depois de atingidos os alvos, conforme ficará melhor exposto abaixo.
Por partes.
Irã mostrou a cara
O ataque do Irã era esperado por Israel. Havia dúvida apenas com relação à intensidade.
Conforme apontado pelos geoestrategistas militares e pelos operadores do direito internacional, o ataque iraniano teve a dimensão do realizado anteriormente a título de resposta à execução de Ismail Haniyeh, líder do Hamas.
Haniyeh foi assassinado em Teerã, em 31 de julho, logo depois de haver participado da cerimônia de posse do presidente iraniano.
Pela morte de Haniyeh e afronta à soberania territorial do Irã, a resposta bélica foi branda. Usou-se, no âmbito da União Europeia, a expressão "simbólica".
O ponto a ressaltar no ataque de hoje é que ele foi motivado por solidariedade ao Hezbollah pela morte de Hassan Nasrallah e pelos ataques de Israel.
No particular, o ataque de hoje representa um pouco mais. O Irã, que financia, instrui, prepara e apoia o Hamas, o Hezbollah, os houthis do Iêmen e as milícias do Iraque, viu-se obrigado a marcar posição.
Antes de morrer, Nasrallah, como ressaltado em colunas anteriores, estava decepcionado com o Irã pela demora do país em entrar na guerra, ao lado dos seus aliados-dependentes.
Agenda da guerra
A resistência à invasão do sul do Líbano pelo Hezbollah continuará sob o comando de Naim Qassem. Ele ainda estará no cargo de vice-chefe do Hezbollah.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberQassem não assumirá o posto de chefe máximo do Hezbollah. É que o Conselho da Shura, o órgão central de decisões do Hezbollah, já escolheu Hashim Safi Al Din, de 59 anos. Al Din aguarda o fim das exéquias devidas a Nasrallah, seu tio, para assumir.
Farpas de guerra
A infantaria do IDF já cruzou a linha azul de fronteira, no sul do Líbano.
A linha foi traçada pelas Nações Unidas em 2000, para marcar, pacificar e cuidar da separação da fronteira entre territórios nacionais. Foi destacada, ainda, uma força especial de paz, a Unifil (United Nations Interim Force in Lebanon).
Os soldados da Unifil, os capacetes azuis da ONU, estão, no momento, num bunker de proteção, pois correm risco, e a missão é de pacificação e não de participação na guerra.
O ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, já falou com a tropa, tão logo o Parlamento israelense deu autorização para uma operação militar "mirada" e "limitada". Quer dizer, uma operação com objetivo certo e determinado, não ocupação permanente da fronteira sul do Líbano.
Israel procura assim, à luz do direito internacional, garantir-se com a tese da legítima defesa e descaracterizar uma dolosa violação da soberania do Líbano. Embora sempre desmoralizado, o direito internacional, chamado direito das gentes, é usado quando interessa —e para aparências.
Na sua manifestação à tropa, Gallant aproveitou para "cutucar" Naim Qassem, após este ter afirmado que o Hezbollah estava vivo e preparadíssimo para enfrentar as "tropas invasoras".
Gallant, na troca de farpas, usou a fala com a tropa a fim de dizer a Qassem e aos atuais dirigentes do Hezbollah que a morte de Nasrallah "não foi suficiente", pois o perigo para Israel continua.
Para Gallant, o Hezbollah, desde 8 de outubro, bombardeia diariamente o norte de Israel e causou o êxodo de cerca de 60 mil israelenses da Galiléia. Os israelenses da Galileia estão sem casa, assistência médica e as crianças, sem escolas.
Gallant sempre lembra a promessa pública de Nasrallah, depois do terror de 7 de outubro, de adesão à luta para varrer Israel do mapa.
Tirando da seringa
O presidente dos EUA, Joe Biden, faz cara de paisagem quando indagado sobre a invasão, por terra, da infantaria de Israel. Tudo atravessando a linha azul traçada pela ONU.
Biden, pensando na eleição de Kamala Harris e diante da imprevisibilidade e desconfiança em Benjamin Netanyahu, respondeu: "Sou tão informado quanto vocês [jornalistas]". E acrescentou, sempre de olho no eleitorado americano: "Quero que parem. Quero um cessar-fogo".
Biden não enganou ninguém. E os 007 das agências de inteligência dos EUA, a CIA (Central Intelligence Agency) à frente, devem ter gargalhado com a "tirada" de Biden.
Para os 007 da CIA, os especialistas em geopolítica e os operadores do direito internacional, Israel só conseguirá legitimidade na ação se atuar de forma limitada, protegendo a fronteira para a volta das famílias às suas casas.
Atenção: na fronteira sul, o embate será entre o IDF e o Hezbollah. O exército oficial do Líbano não estará presente.
Na verdade, o exército do Líbano é um quase nada em comparação com os 60 mil homens fortemente armados e preparados do Hezbollah.
O Hezbollah representa, para muitos especialistas em geopolítica, que usam uma expressão banalizada, "um Estado dentro do Estado legal, constitucional".
A Constituição do Líbano é de 1926, modificada muitas vezes depois do assassinado de Rafik Hariri, premiê demissionário e contrário à presença de tropas da Síria no Líbano, morto em 2005.
Embate
Nesta coluna, já bancamos a informação de que a invasão no sul do Líbano era iminente, com base no anunciado pelas ações de bombardeamentos preparatórias, que levaram à morte de Nasrallah e mais de 15 integrantes do vértice do Hezbollah.
Os 007 da inteligência de Israel, pelos serviços de espionagem interno, externo e militar, sabem o que irão encontrar de resistência no lado de lá da fronteira.
Durante anos, o Irã financiou e orientou escavações e túneis para a defesa por parte do Hezbollah. Assim, a progressão da infantaria israelense, que terá tanques na retaguarda e caças bombardeiros à frente, será lenta, em áreas minadas.
Como diria um especialista em operações militares, um tipo Neném Prancha do futebol —o filósofo da bola, conforme Armando Nogueira—, "guerra é guerra".
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.