Wálter Maierovitch

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Opinião

Navalni, o Mandela da Rússia

O direito das gentes (direito internacional público) está de luto profundo pelo falecimento, em cárcere no Ártico russo, de Aleksei Navalni, de 47 anos.

Pelas regras do direito internacional, ninguém pode ser perseguido politicamente, fato que se agrava, no caso de Navalni, pela tentativa de assassinato por envenenamento e pelo posterior isolamento: Navalni, durante o tempo de prisão, ficou incomunicável 308 vezes, em cela de 2 x 3 metros.

É significativa uma de suas frases: "Não existe vergonha na escolha de resistir, mas existe, e muita, na escolha de não fazer nada".

Essa frase de Navalni correu o mundo e foi repetida à exaustão depois da sua decisão de retornar à Rússia. Isso logo depois de haver sido envenenado, em 2020, pelos agentes secretos do FSB de Putin, a agência de espionagem sucessora da KGB.

Navalni salvou-se graças aos cuidados médicos e hospitalares prestados na Alemanha.

Como opositor ferrenho de Putin e ativo ao denunciar casos de corrupção pelo seu site, o RosPil, Navalni sabia, ao pisar de volta em Moscou, que seria encarcerado e silenciado. Não deu outra. Foi preso em 2021 e saiu morto, com causa da morte ainda desconhecida.

Como sabe toda a juventude russa que aspira à liberdade e ao fim da autocracia de Putin, a volta de Navalni foi heroica. Ele poderia ter escolhido o exílio e, a distância, ter continuado a se opor a Putin e ao seu governo.

Numa entrevista a jornalistas europeus, antes de deixar a Alemanha com alta hospitalar, mas ainda fragilizado fisicamente, o opositor despertou de novo a ira de Putin. Isso aconteceu ao responder uma pergunta sobre o Movimento Rússia Unida (MRU), ou seja, o partido de Putin. Navalni declarou tratar-se de um "partido de ladrões e de malfeitores da pátria".

Matar opositores é da rotina do governo Putin, haja vista, por exemplo, o assassinato da jornalista e ativista de direitos humanos Anna Politkovskaia. Ela cobriu e denunciou internacionalmente os massacres na guerra da Chechênia. Escrevia artigos contra Putin no jornal de oposição Novaya Gazeta. Levou cinco tiros de pistola automática na porta do prédio onde morava.

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Outro envenenado, com o radioativo polônio 210, no Reino Unido, foi um ex-colega de Putin da KGB, o dissidente Alexander Litvinenko.

Navalni pegou quatro condenações judiciais e uma administrativa. O total da sua pena chegava a 30 anos de cárcere fechado.

Oficialmente, havia saído da cela para um passeio a pé. Ao voltar, teve um mal súbito, perdeu a consciência e faleceu. Ludmila Navalni, a mãe, disse ter obtido autorização para visitar o filho neste mês de fevereiro. E o filho gozava de boa saúde.

Nalvani era frequentemente trocado de presídio. O último, para dificultar a visita da sua mãe moscovita, estava a 2.000 km de distância da capital, no Ártico russo. Os estudantes russos passaram a reclamar de Putin estar tratando Navalni como um "lobo polar", esquecido em região de baixas temperaturas.

A mídia europeia fazia sempre comparações entre Navalni com o sul-africano Nelson Mandela. Ambos heróis da resistência contra a tirania e defensores da liberdade de expressão, da igualdade e contra a corrupção.

Só para lembrar, Mandela foi aprisionado e afastado da vida política por 27 anos.

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Navalni começou a ser processado e preso em 2013.

No primeiro processo, inventou-se uma acusação de apropriação indébita de patrimônio da empresa pública Kirovles.

Surgiu, ainda, um processo administrativo por ilícito de natureza alfandegária. Na sequência, um processo criminal por estelionato agravado, com pena definitiva de nove anos de reclusão.

A última condenação ainda estava em curso quando da morte, e o crime imputado era de haver formado uma comunidade de extremistas.

Como Navalni exercia liderança sobre os jovens e estudantes russos, Putin não escondia a sua raiva. Vale frisar que os jovens eleitores não votam, em sua grande maioria, em Putin.

Navalni só tinha um incômodo, não gostava do conformismo da sociedade russa. E, com relação a isso, disse com vigor: "Não manifestem solidariedade à minha pessoa com o argumento conformista de que estamos a voltar ao tempo de Stálin. Concentrem-se apenas num pensamento, realmente importante: que coisa cada um poderá fazer para resistir? Não existe nenhuma vergonha nisso".

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Nas últimas postagens antes de ser preso, Navalni falava sobre corrupção em licitações de obras públicas e a organização de um "meeting against corruption", uma das suas manifestações contra a corrupção.

Ainda não se sabe a causa morte. O mundo civilizado e democrático já desconfia de o laudo oficial cadavérico concluir por morte natural.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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