Wálter Maierovitch

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Opinião

Robinho está na marca do pênalti

Todos os acadêmicos de direito conhecem a regra romana da "nulla executio sine titulo" (nula será a execução sem título).

Essa regra que impede a instauração de processo de execução de sentença condenatória penal sem um título judicial transformou-se, em Estados Democráticos de Direito, numa importante garantia.

No caso do ex-jogador Robinho, a Itália pretende, junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que um título judicial seu, condenatório e definitivo, tenha validade no Brasil e possa ensejar um processo de execução penal. A vítima é uma albanesa que, quando estuprada, trabalhava provisoriamente em Milão.

Por essa razão, e por ser o nosso STJ competente constitucionalmente, a Itália postulou a homologação da sentença condenatória criminal lá lançada, com pena de nove anos de reclusão ao ex-jogador Robinho.

A condenação é por crime de estupro coletivo, consumado no interior de uma casa noturna em Milão. A jovem mulher albanesa, com o visto de permanência vencido, poderia correr o risco de ser expulsa do país caso procurasse a polícia.

A homologação de sentença estrangeira é tarefa simples.

Por evidente, a Justiça brasileira não pode reexaminar o merecimento da ação penal. O STJ não vai poder julgar o acerto ou erro da condenação, se era caso de condenação ou absolvição. A decisão provém de uma Justiça soberana.

Nos casos de homologações de sentenças estrangeiras penais, são analisados apenas os aspectos formais. Ou seja, o STJ, sem entrar no mérito do estupro, examinará se foram observadas as regras do devido processo legal. Por exemplo, citação válida, instrução contraditória, defesa técnico-profissional, mais de um grau de jurisdição, sentença com trânsito em julgado.

A propósito, Robinho, no processo italiano, contratou defensor técnico, ou seja, defensor da sua livre escolha.

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A seu pedido, pois estava com contrato de trabalho fora da Itália, Robinho foi dispensado de comparecer aos atos processuais, mas seu defensor, um advogado conhecido, esteve sempre presente.

O exame

Como a Justiça brasileira é soberana e nossa Constituição não admite extradição de brasileiro nato, o STJ vai apreciar a possibilidade de impedimento homologatório.

A questão geradora de controvérsia: Robinho, cuja extradição é vedada constitucionalmente, poderia ser sancionado? A defesa técnica afirma que não.

Como se diz num bar de esquina, "uma coisa é uma coisa, outra, é coisa diversa".

A não extradição é uma proteção, não é uma armadura de impunidade. Por isso, e para continuar a proteção e não admitir a impunidade, é que temos, na nossa legislação, a possibilidade de a sanção criminal ser cumprida no Brasil, em processo de execução judicial.

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Não mandamos extraditar o brasileiro nato. Mas o processamos aqui. De duas maneiras:

  1. Homologando a sentença criminal estrangeira;
  2. Ou se o nosso Ministério Público promover ação criminal por crime consumado em outro país.

Globalização e novas tendências

Ficou bastante conhecida na sociologia a expressão "aldeia global", no sentido de integrações, de quebra de fronteiras culturais, sociais e geográficas. Assim, o mundo tornou-se uma enorme aldeia.

No campo da Justiça, o direito internacional passou a contar com peso maior. No campo ético, internacionalmente, prevaleceu o entendimento de que a Justiça tem a função de "não deixar impunes os crimes e de não punir os inocentes", com a colaboração internacional, as convenções da ONU, os tratados e os acordos bilaterais.

Direitos humanos e criminalidade transnacional

O crime tornou-se transnacional, sem fronteiras. Como escreveu o magistrado Giovanni Falcone, dinamitado pela Máfia siciliana, as internacionais criminosas só poderão ser contrastadas com a efetiva cooperação internacional.

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O mundo mais próximo e preocupado com os direitos humanos, com os crimes hediondos, caso do estupro, por exemplo, exige punições, onde quer que se encontre o criminoso, o infame estuprador.

Blocos de países, como a União Europeia (UE), criaram os seus tribunais. Temos, a título de exemplo, a Corte Europeia de Direitos Humanos, sediada na francesa Estrasburgo. Ela tem jurisdição, diz o direito, nos limites da UE e obriga a todos os Estados-membros.

Por força de emenda constitucional de iniciativa do governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil aceitou e se submete às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos). E o STF (Supremo Tribunal Federal) não possui competência para reexame e eventual cassação de decisões da mencionada Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Num âmbito mais largo, evolutivo e integrado, Estados membros da ONU criaram, pelo Tratado de Roma, de 1998, o Tribunal Penal Internacional.

Desde 1945, existe também a Corte Internacional de Justiça, sediada na holandesa Haia.

Vários países admitem, nas suas constituições, a extradição de nacionais em face dos cartéis que dominam mercados, como de drogas proibidas e armas. Impedir a extradição, por exemplo, no caso da Colômbia, significaria tornar o país um refúgio para traficantes internacionais.

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Robinho

Atenção: o ex-jogador Robinho quer voltar ao passado, é pela involução dos Estados-nações. Por ser brasileiro, apesar de indigno, luta para obter obter do STJ um "bill de indenidade", ou melhor, uma declaração de não homologação e, por consequência, de impunidade.

Lembrando que Robinho, em regular e lícita escuta ambiental, gabou-se de, naquele estupro coletivo contra uma imigrante albanesa trabalhadora, ter ejaculado na boca da vítima. Ela já estava desacordada e em estado etílico avançado.

Na escuta ambiental, Robinho disse que não haveria esperma seu na vagina da vítima. E que a salivação limparia a garganta da vítima de resíduos do seu esperma. Esse é Robinho, que tem o descaramento, à luz das provas, de falar em inocência e perseguição racista.

Na verdade, Robinho quer uma regressão ao tempo dos Estados nacionais fechados na proteção dos seus filhos criminosos, ainda que covardes estupradores.

O ex-jogador estuprador fala até em inocência e inventa perseguição racista, como frisei acima. Mas continua fingindo não saber que a mulher tem liberdade para escolher o seu parceiro sexual. E o estupro é, na Itália e no Brasil, crime contra a liberdade sexual.

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Robinho, pelo difundido na mídia, invoca a soberania nacional de modo que não se aceite a execução de uma sentença proveniente de outro país.

Ora, a Constituição brasileira protege os direitos humanos e pune os seus violadores. Nossa lei protege a mulher.

Mais ainda, a Itália tem acordo de cooperação judiciária com o Brasil. Nossa lei penal admite a execução de sentença estrangeira, uma vez homologada e sem perder de vista a proteção constitucional aos seres humanos.

Não se pode limitar, numa interpretação legislativa oportunista, a homologação apenas a sentenças de natureza civil (não criminal), como, por exemplo, a reparação do dano moral.

Com efeito, a tendência é o STJ homologar a sentença condenatória contra Robinho, para se abrir um processo de execução no Brasil.

Prisão de Robinho

Uma vez homologada a sentença, caberá à Justiça federal de primeira instância iniciar o processo de execução e a expedição de mandado de prisão.

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Como há pedido expresso, o STJ poderá determinar a execução e a imediata prisão.

Contra a decisão homologatória caberá recurso ao STF, em razão das questões constitucionais já pré-constituídas. O recurso não terá efeito suspensivo, ou seja, não suspenderá a execução da sentença homologatória e nem a prisão de Robinho.

Pano rápido

O Brasil, como nação civilizada, tem todo o instrumental jurídico, constitucional e legal, para não passar uma grande vergonha internacional ao negar a execução de sentença criminal estrangeira. O Brasil, no caso, leia-se STJ.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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