Wálter Maierovitch

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Opinião

Volta de Cid à prisão foi necessária, mas áudio apoia versão bolsonarista

Até mesmo um reprovado em exame de qualificação profissional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sabe que o tenente-coronel Mauro Cid, um ex-faz-tudo à época da presidência de Jair Bolsonaro (PL), estava em regime de liberdade provisória. Mais ainda, a prisão preventiva deve ser imposta quando necessária, diante da Constituição.

Volta à prisão: duplo motivo

O descumprimento da obrigação assumida por Mauro Cid acarretava, por força da lei processual penal, a volta ao chamado status quo ante, ou seja, o retorno à situação anterior. Volta à prisão, no caso do Mauro Cid. Assim funciona o chamado sistema de cautelas e contracautelas.

Muita vezes, diante de hipóteses sem gravidade, os juízes costumam advertir formalmente o infrator em vez de determinar o retorno à cadeia.

Quando se impõe uma volta à prisão cautelar, há necessidade, à luz da nossa Constituição, de se verificar a necessidade. A necessidade de se impor uma medida grave de restrição à liberdade de locomoção.

No caso, pelo mostrado até o momento, a volta à cautela mais grave, prisão acautelatória, era mesmo necessária.

Com Mauro Cid, além do alegado descumprimento de condição imposta existia algo a mais, um "plus", e este gerou uma segunda medida acautelatória, a prisão preventiva por obstrução de Justiça.

O inquérito policial onde aconteceu a operação Tempus Veritatis, apura, além do golpismo, a formação de organização criminosa. Na lei especial sobre organizações e associações delinquenciais, existe o ilícito da obstrução de Justiça.

Nessa hipótese, e se houver condenação, as penas variam de três a oito anos de prisão. Ou seja, o ilícito é grave.

Atenção: a lei sobre as organizações criminosas fala em "embaraçar a investigação criminal" (artigo 2º da Lei 12.850-13). Destaco o termo "embaraçar", a significar criar tumulto, confusão, descrédito.

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Ao circular um relato bombástico de Mauro Cid, ainda que por meio de suposto grampo ilegal e a colocar em dúvida o judicialmente homologado contrato de colaboração com a Justiça, evidencia-se situação a embaraçar a investigação criminal, incluída a dúvida quanto à sua credibilidade.

Ainda não se sabe com quem Mauro Cid falava. Ele se negou a dizer o nome do interlocutor. Presume-se conversa e —no caso a presunção é válida— com pessoa com quem estava proibido de dialogar.

Outro ponto. Sete condições foram impostas, e Mauro Cid as aceitou para obter a liberdade provisória. Frise-se: liberdade condiciona ao cumprimento de obrigações especificadas. Uma das condições era a "proibição de comunicar-se com os demais investigados".

Conclusão: a prisão cautelar foi correta e legalmente imposta:

  • 1-) quer pelo descumprimento de obrigação e que gerou a volta a cautela anterior
  • 2-) quer pela prisão preventiva por ilícito de obstrução de Justiça, com flagrante embaraço à investigação policial em curso.

Juízo popular

Antonio Vieira escreveu fazer o comum dos mortais julgamentos ("juízos") a todo momento.

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Todos os dias são de formulação de juízos, concluiu Vieira, escritor, orador e político de batina com corte sartorial jesuítico, falecido em 1697 em Salvador.

Vamos nessa do julgamento popular colocado por Vieira e à luz do caso que levou o tenente-coronel Mauro Cid de volta à prisão especial, em estabelecimento do Exército.

A quem interessava o suposto grampo?

Mauro Cid firmou um contrato de colaboração com a Justiça, assistido por advogado da sua livre escolha. O contrato, como se sabe, é um acordo de vontades e por ele se estabelece um "negócio jurídico".

Como todo acordo de vontades pode ser rescindido. Vale dizer que o celebrado por Mauro Cid, de natureza premial (tem um prêmio almejado pelo militar em jogo), pode ser rescindido, embora não convenha à Justiça.

O contrato de colaboração com a Justiça celebrado entre Mauro Cid e o Estado brasileiro, este representado pela Polícia Federal, foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, depois de verificada a sua regularidade formal.

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Pelo contrato e diante da obrigação assumida, Cid prestou esclarecimentos preciosos para o encontro da verdade real.

Uma coisa é certa e cristalina. As delações de Mauro Cid colocaram Bolsonaro em maus lençóis, como se diz no popular.

Suas delações confirmaram, inclusive, conteúdos extraídos do seu celular e computador pessoal. Tem mais: os relatos acomodam-se aos testemunhos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica.

Ao comum dos mortais não interessa se a prova —uma vez divulgada a conversa de Cid— é juridicamente lícita ou ilícita. Apenas interessa à formulação do seu juízo, pois todo dia representa jornadas de julgamentos privados, como sustentou Vieira.

Qualquer político sabe disso e o encrencado Jair Bolsonaro, um populista, muito mais.

Vamos recordar e ainda diante do comum dos mortais. As gravações reveladas pelo site Intercept Brasil, como estrebucharam Sergio Moro e Deltan Dallagnol, sem desmentir os diálogos, foram dadas como válidas pelas maioria da população brasileira. Serviu ao cidadão comum na formulação de um julgamento sobre o acontecido.

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Em outras palavras e pela contratual delação de Mauro Cid, o juízo dos brasileiros orientava-se no sentido de estar Bolsonaro próximo de processos criminais, condenações e cadeia, salvo, por evidente, para os bolsonaristas fanatizados.

Com efeito. Para Bolsonaro, caiu do céu o conteúdo do suposto grampo. Ganhou uma versão.

No momento, o ex-presidente passou a ter, para uso político e para ajuda na interpretação do papel de vítima, algo concreto: a gravação de Mauro Cid.

Para sempre, per omnia secula saeculorum, diria o padre Vieira, Bolsonaro terá uma versão, pela voz daquele que irá chamar de delator interessado em prêmio. No relato para a sociedade, houve um falso arrependido, coagido pelas autoridades e forçado a endossar versão mentirosa.

A prova e o povão

Quero dizer, diante do acima colocado, que para os brasileiros vale a prova em que ele quiser acreditar para elaborar um juízo sobre Bolsonaro, embora exista, até agora, comprovação da sua responsabilização criminal por crimes tentados de golpe de Estado e de abolição da democracia, da República e do estado de direito.

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No processo criminal, não é assim e as provas proibidas pela lei são descartadas. Ou seja, valerá sempre o homologado contrato de delação de Mauro Cid.

Juridicamente, nenhum valor de prova terá o relato paralelo de Cid.

O suposto grampo de Mauro Cid —e ainda não se pode descartar a hipótese de que estaria mancomunado com terceiro interessado no diálogo gravado— não pode ser levado em conta para fim judicial.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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