Marielle e Acioli, quantas vítimas mais precisaremos?
As prisões dos irmãos Brazão e do policial civil Rivaldo Barbosa são necessárias e úteis aos esclarecimentos dos assassinatos de Marielle Franco, Anderson Gomes e da tentativa de homicídio de Fernanda Chaves. Mas, não se pode parar aí. Em jogo a segurança da nação brasileira em face do crescimento e ousadia do fenômeno representado pelo crime organizado.
Numa visão mais ampla, os assassinatos de Marielle, e, em 2011, da juíza Patricia Acioli, servem, como radiografias, para revelar o poderio adquirido pelas organizações criminosas em atuação no estado do Rio de Janeiro.
Como sabem todos os estudiosos do fenômeno, o crime organizado é parasitário, quer dizer gruda nas instituições do Estado e passa a ganhar poder político: elege os seus representantes e faz cooptação de órgãos de poder e de agentes das polícias repressivas, judiciária e de manutenção da ordem.
Uma vez estabelecido, o crime organizado possui:
- Controle de território;
- Controle social, a impor as suas "leis" e a obter o silêncio nas comunidades coagidas e submetidas;
- Capacidade de difusão do medo, interna e externamente;
- Influência política.
É antigo e visível o poder adquirido pela criminalidade organizada no Rio de Janeiro. Remonta às associações delinquenciais formadas pelos "bicheiros", enfrentadas à época pela juíza Denise Frossard, que não foi assassinada por um golpe de sorte.
Controle de território
No caso Marielle tivemos a sua resistência heroica à aprovação de projeto legislativo municipal de regularização de terras (Projeto-lei 174-2026), voltado a beneficiar a família Brazão e a milícias associadas.
Mas, não foi só isso. Marielle contrariava os interesses da criminalidade organizada. Sua postura e atuação comunitária serviam para contrastar a delinquência organizada e violenta.
Tal projeto de regularização de terras - depois considerado inconstitucional pela Justiça -, estabelecia, caso vingasse, faixa territorial ampla.
Uma vez regularizada, a faixa territorial passaria a ser controlada e explorada pela milícia da zona Oeste, com a família Frazão a desfrutar.
Na acertada posição de Marielle, as terras não podiam parar nas mãos das milícias. A destinação teria de ser social. Nada de regularização bandida.
Não precisa de muito esforço para imaginar, no campo econômico-financeiro, os resultados vindos com as edificações, construções, serviços, locações, gatonets, e o comércio em geral. Um novo bairro, sob governo do crime.
Poder político e social
Na zona oeste, os três irmãos Brazão obtém seus votos.
Da vereança, a família Brazão passou para a Assembleia Legislativa e a Câmara dos Deputados.
Um deles, Domingos, é conselheiro vitalício do Tribunal de Contas e está sob investigação de corrupção. O deputado federal Chiquinho (João Francisco Inácio Brazão) recebeu cerca de 26 mil votos na zona oeste.
Domingos e Chiquinho associaram às milícias. O falecido Macalé, pela prova, era o lugar tenente a servir de elo de ligação.
Pelo apurado, os Brazão, irmãos Chiquinho e Domingos, foram os idealizadores do duplo assassinato, de Marielle e de Anderson.
A dupla chamou para o planejamento do assassinato, e como posterior garante da impunidade, com obstruções das apurações, o delegado Rivaldo Barbosa.
Rivaldo tomou posse no cargo de chefe da polícia civil um dia depois do duplo homicídio e da tentativa referente a Fernanda Chaves, assessora de Marielle.
Atenção: estamos diante de caso típico de criminalidade organizada, pois temos milícias, políticos e policiais (Rivaldo e sua equipe). Também controle de território (zona oeste) e social (eleitores e moradores coagidos).
Esses controles, e podemos colocar os do Comando Vermelho no pacote junto com as milícias, estão em todas as zonas do Rio de Janeiro.
Secessão do Estado
A intervenção federal no Rio de Janeiro não resolve o grau de contaminação e influência das organizações criminosas.
A recordar: a última intervenção federal, por ato do então presidente Michel Temer, teve o general Walter Braga Netto como interventor.
Braga Netto nomeou Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil, que tem como ramo a polícia judiciária que faz as investigações nos inquéritos.
A referida intervenção foi um absoluto fracasso. Braga Netto apenas empenhou-se em fornecer armamentos às policias, sem se incomodar com a corrupção e cooptação delas pela criminalidade organizada.
O crime organizado definitivamente infiltrou-se nas forças de ordem.
As organizações criminosas do Rio promoveram a secessão do Estado. Ou melhor, controlam territórios. E já lograram cooptar grande parte das Polícia Civil e Militar. E oficiais e soldados da Polícia Militar, convém recordar, fuzilaram e mataram a juíza Patrícia Aciolli, 47 anos, na porta da sua residência.
A magistrada foi assassinada com 21 tiros em 2011. E foi condenada à morte por cumprir, sem vacilações, o seu dever de magistrada.
Aciolli sempre atuou na legalidade e os seus despachos, decisões e sentenças, incomodavam policiais militares envolvidos em abusivas ações violentas. Acioli era titular da 4ª.Vara Criminal de São Gonçalo.
O mandante do crime foi o tenente-coronel Cláudio Luiz Oliveira. Participaram do seu assassinato 11 policiais militares.
Nada mudou com as resistências de Marielle e Patricia Acioli. E bem atrás, de Denise Frossard.
O trabalho de enfrentamento, com permanentes ações de desfalque da economia movimentada pela crime organizado, deve ser diuturno e bem planejado, com cooperação entre estados e internacionais. Isso porque o crime organizado sempre resiste, progride, absorve a tecnologia, estabelece alianças internacionais, lava, recicla capitais e se infiltra nos poderes do Estado.
Federação, economia sadia e concorrência desleal
Os estados nacionais unitários, ou seja, não federados, têm mais sucesso na prevenção e repressão ao crime organizado. O Brasil é federado, portanto com maior dificuldade.
A competência dos estados federados, com as suas policias, inibem a atuação da Polícia Federal. E as policiais estaduais não se comunicam, enquanto as associações delinquenciais avançam fronteiras e se associavam a organizações estaduais menores.
O governo Lula deveria entender que o fenômeno do crime organizado, que promove a secessão, a cooptação e a corrupção, é um problema nacional. E a economia movimentada pelo crime representa concorrência desleal aos empresários honestos.
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