Wálter Maierovitch

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Opinião

Toffoli em permanente flerte com o impeachment

A lei disciplinadora do impeachment também tipifica os crimes de responsabilidade para os membros do Supremo Tribunal Federal.

Como se sabe, os ministros do STF não estão sujeitos ao poder correcional, disciplinar, exercido pelo Conselho Nacional de Justiça.

O mencionado CNJ não leva o título acertado. Não pode ser visto como da nação (nacional), pois é capenga. Ou seja, tem atribuição limitada. Não alcança infrações administrativas dos supremos ministros da nação, que atuam — por estarmos numa democracia — como representantes do povo.

Em outras palavras, os juízes decidem em nome do povo. Aliás, tal alerta encontra-se grafado nas paredes de todas as salas de julgamentos de tribunais italianos.

O CNJ não é, como se propala equivocadamente, um órgão de controle externo da magistratura. E não é de controle externo porque a maioria dos seus conselheiros são magistrados.

Cuida-se se um conselho corporativo. Como na topografia constitucional encontra-se abaixo do STF, não tem nenhum poder sobre os ministros.

Desta forma e no nosso sistema imperfeito e enferrujado de freios e contrapesos, os ministros do STF só ficam sujeitos ao impeachment, que qualquer cidadão (eleitor) pode propor, sem necessidade de advogado.

E cabe ao Senado, pelo seu presidente, receber e processar o pedido de impeachment, fazendo um juízo preliminar, com apoio no seu poder discricionário (não arbitrário), sobre a pertinência.

Impeachment

No artigo 39 da Lei do Impeachment (1079-50) consta, no número 5, ser ilícito um supremo ministro "proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções".

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O texto legal conduz a uma aguda e antiga observação feita pelo saudoso jurista italiano Piero Calamandrei, um dos pais da Constituição italiana antifascista de 1948, ainda em pleno vigor.

No opúsculo publicado em 1935 e intitulado "Elogio dei giudici scritto da un avvocato" (Elogio aos juízes escrito por um advogado, em tradução), Calamandrei advertiu: "Caso o juiz não tenha cuidado, a voz do direito fica evanescida e distante como a voz inatingível dos sonhos".

No STF, os constantes descuidos do ministro Dias Toffoli vem chamando a atenção. Sobre o indecoroso agir, vale a pena recordar editorias de dois importantes jornais.

  • Em editorial do jornal O Estado de S. Paulo, a atuação de Toffoli resultou no seguinte título: "O STF insulta os brasileiros".
  • Do jornal Folha de S.Paulo, por sua vez, constou haver Toffoli "premiado a corrupção".
  • Para o respeitado colunista Hélio Schwartsman, o ministro, pela adulteração da história, deveria receber o "prêmio Stálin".

Todo mundo sabe possuir o juiz a garantia constitucional do "livre convencimento". Assim, matéria jurisdicional, de dizer qual o direito a ser aplicado ao caso concreto, não está sujeita a controle correcional, fiscalizador.

Mas a regra apontada acima pode ser quebrada diante de fatos evidenciados. Por exemplo, Toffoli decidiu em processos do interesse do escritório de advocacia onde sua esposa é associada. O conflito de interesse pode ser percebido até por um leigo, mas não foi por Toffoli.

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Em acordos de leniência, onde a iniciativa e o interesse é da pessoa jurídica, Toffoli suspendeu pagamentos bilionários a favorecer a J&F e a antiga Odebrecht.

Para piorar, essas decisões de Toffoli foram juridicamente teratológicas, para usar uma expressão dos fóruns e palácios da Justiça.

Toffoli, olhada a lei do impeachment, tem atuação que agride a ética (indecorosa) e agir indecente (indigno).

Postura e compostura

Tudo se agrava em face da atuação monocrática de Toffoli em casos complexos e de grande repercussão.

Nos casos da antiga Odebrecht, onde Toffoli era apelidado de "amigo do amigo do meu pai", segundo as investigações, a sua suspeição saltava aos olhos.

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Por exemplo e numa penada só, Toffoli anulou todos os inquéritos e processos condenatórios em curso, a beneficiar Marcelo Odebrecht.

Toffoli, sem corar, passou o pano.

O ministro apagou condenações confirmadas por confissão do acusado. E com prova induvidosa apresentada pelo próprio Marcelo Odebrecht.

Atenção: Toffoli, e isso é de pasmar, não anulou o contrato de delação premiada — ou seja, os prêmios recebidos por Marcelo Odebrecht.

A lembrar: o contrato de colaboração com a Justiça (deleção premiada) de Marcelo Odebrecht foi celebrado com o Ministério Público, por meio da Procuradoria e teve a homologação do STF.

Quando presidiu o STF, Toffoli aproximou-se do golpista Jair Bolsonaro, passou a ser tido como filobolsonarista. Como indeferiu, a contrariar princípios humanitários de direito natural e positivo, pedido de Lula referente ao comparecimento ao velório do irmão, só pediu desculpas quando Lula voltou à presidência.

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Para ter competência sobre casos da Lava Jato e despertar o interesse de Lula, o ministro Toffoli trocou de turma julgadora. E passou, com decisões políticas e não jurídicas, a reescrever, ao seu modo e no seu interesse, a história da corrupção no Brasil, ao tempo da Lava Jato.

Convescotes

No campo específico da promiscuidade, Toffoli tem participado de encontros internacionais promovidos por pessoas jurídicas e físicas interessadas em aproximação com o STF — alguns com causas processuais em curso.

Dois pontos. Com atuações reprovadas pela sociedade, Toffoli e alguns dos sues pares não se incomodam. E Toffoli até criticou matérias jornalísticas informativas sobre esses convescotes internacionais.

Em artigo brilhante e de leitura fundamental, o professor e jurista Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha de S.Paulo, chamou a atenção, além da parte do comportamento impróprio de magistrados, para a perda de credibilidade e prestígio do STF: para 14% dos consultados em pesquisa, o trabalho do STF é considerado ótimo ou bom, no ano de 2024 em curso. No ano de 2022, a avaliação era bem melhor, 31%.

Custos exagerados e futebol

As despesas com viagens e segurança também foram lembradas por Conrado Hübner Mendes.

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No momento, comenta-se a viagem de Toffoli para assistir à badalada partida final da Champions League, realizada no último sábado (1º), no estádio de Wembley, no Reino Unido.

Pesou a suspeita de ter sido Toffoli patrocinado pelo empresário Alberto Leite, dono da FS Security, empresa que copatrocinou o evento denominado Fórum Brasil de Ideias, ocorrido também em Londres com a presença de Toffoli e outros ministros.

O empresário tirou fotografias ao lado de Toffoli no estádio, mas negou haver sido Toffoli seu convidado. As despesas, fora a de segurança, não foram pagas pelo STF. Toffoli diz ter pago do bolso.

Segundo informou a jornalista Raquel Landim, colunista do UOL, Toffoli foi convidado para assistir a partida em camarote alugado por Alberto Leite. E lá estavam outros parlamentares. Toffoli não podia aceitar tal convite, pois expôs a magistratura ao descrédito.

Da mesma forma, num passado distante, Gilmar Mendes arquivou peças sobre reforma na residência de Toffoli feitas por empreiteira dada como amiga. Toffoli negou recebimento desse favor. Gilmar é íntimo de Toffoli.

Atenção: o ministro Kassio Nunes Marques já esteve no mesmo torneio e numa final. Tudo às custas de um advogado. Nada aconteceu.

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Comportamentos indesejados vêm se repetindo e, no caso Toffoli, existem indícios de existir algo de podre no reino da Dinamarca, para usar uma expressão de Shakespeare.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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