Wálter Maierovitch

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Opinião

Câmara vota delação premiada deturpada com urgência pró-bandidagem

Hoje, na Câmara dos Deputados, será deliberado sobre a urgência na tramitação de projeto que, claramente, deturpa um dos mais importantes institutos legais de combate à impunidade. Refiro-me ao tecnicamente chamado de "Direito Premial".

Reconhecido internacionalmente e usado com sucesso absoluto na Itália e nos Estados Unidos no combate à criminalidade organizada e à corrupção, o direito premial tem, na colaboração com a Justiça (aqui batizada de "delação premiada"), o remédio para buscar da verdade real e barrar a impunidade.

O direito premial é fundamental na quebra da "lei" do silêncio, ou melhor, do denominado internacionalmente comportamento omertoso (omertà é explicado como a "solidariedade pelo medo").

Afinal, e como lembrou um saudoso jurista francês, a meta da verdadeira Justiça é "não deixar impunes os crimes e não punir inocentes". A quebra do silêncio, do segredo, é um passo importante para a investigação e busca da verdade: a real e não a meramente formal, intuída.

Von Ihering

Por volta do ano de 1853, o jurista e filósofo alemão Rudolf Von Ihering alertou, diante da escalada e da sofisticação adquirida pela criminalidade: "Um dia os juristas irão se ocupar do direito premial. E tomarão essa iniciativa quando, pressionados pelas necessidades práticas, lograrem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade e do arbítrio, delimitando-a com regras precisas. Nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, e sobretudo, no interesse superior da coletividade".

Atenção: o prêmio é estabelecido no interesse público. Decorre de contrato, que é um acordo de vontades, e carece ser homologado pela autoridade judiciária. Com isso gera um ato jurídico perfeito. Daí, a impossibilidade, aprovada a lei, de se ter efeito retroativo para fim de anulação. Ainda mais, caso aprovado, a nova lei, como se percebe, tem natureza processual penal. Nenhuma lei processual pode ter efeito retroativo.

Sociedade é a maior interessada

A maior interessada na delação premiada, frise-se, é a sociedade. Com a colaboração, pode-se chegar à verdade e são apanhados todos os autores e partícipes. Em especial, os mandantes dos crimes.

A lembrar, no momento, as delações em apuração no caso do covarde assassinato de Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes. A recordar, também e em apuração, os relatos do tenente-coronel Mauro Cid, num Brasil que sofreu um atentado à sua Constituição republicana e quase voltamos à ditadura, com Jair Bolsonaro a usurpar a presidência.

Projeto pró impunidade

A meta do projeto, cujo regime parlamentar de urgência será nesta terça-feira votado, é limitar a deleção. Aquele privado da liberdade de locomoção por força de prisão em flagrante, custódia cautelar preventivamente ou por sentença, não poderia, pelo projeto, colaborar com a Justiça.

Atenção, outra vez. O instituto é de colaboração com a Justiça. Ou seja, aberto para aquela que, acompanhado por advogado, desejar colaborar em troca de prêmio.

O fato de se estar preso não representa coação. No nosso estado de Direito existe o remédio constitucional do habeas corpus liberatório para os casos de prisão ilegal, abusiva. Ou seja, o preso não sofre coação ilegal graças ao habeas corpus.

No mundo civilizado, não há presunção de coação. Só no Brasil, se vingar o projeto legislativo, vamos ter presunção de preso estar sob constrangimento e, portanto, impedido de buscar o direito premial. Absurdo.

Um pouco de cinzas

Vários integrantes da Cosa Nostra siciliana permaneceram mais de 40 anos foragidos, sem tirar o pé da Sicília e a continuar a cometer crimes.

Mais ainda, os chefões celebraram alianças com políticos e criaram um estado delinquencial em paralelo ao estado nacional, constitucional. Controlavam as eleições.

Supracitados mafiosos restaram localizados e presos, graças ao direito premial usado pelos membros de hierarquia inferior na organização criminosa.

Muitos dos perigosos e presos chefões resolveram colaborar e a Itália, no interesse da coletividade, como advertia Ihering, não estabelecia restrições ao acesso premial.

Na operação "Mãos Limpas", que consistiu em repressão à corrupção na política italiana, vários corruptos confessaram e delataram, em busca prêmios, em futura legislação.

Pano rápido

O projeto não é urgente. Mais do que isso, é um retrocesso. Fará a blindagem dos poderosos e potentes, pelo silêncio. É uma afronta à nossa sociedade, indignada com a impunidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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